RDT Atual42 - 2019
IBDT | Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Revista Direito Tributário Atual
ISSN: 1415-8124
e-ISSN 2595-6280
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Carta do Editor

Seção I – Artigos Selecionados em Sistema de Avaliação Double Blind Peer Review – Doutrina Nacional

O Interesse Comum e a Responsabilidade Tributária dos Grupos Econômicos segundo a Jurisprudência e o Parecer Normativo COSIT n. 04/2018 da Receita Federal do Brasil
Ana Flávia Carneiro da Cunha e Silva Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada em São Paulo/SP. E-mail: anasilva@asbz.com.br

O Direito ao Crédito no IVA Europeu: Apontamentos sobre o Princípio da Neutralidade Tributária
André Mendes Moreira Professor Adjunto de Direito Tributário dos cursos de graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da UFMG. Doutor em Direito Tributário pela USP, onde fez residência pós-doutoral. Mestre em Direito Tributário pela UFMG. Diretor da ABRADT. Advogado. E-mail: mendesmoreira@ufmg.br

O Descabimento da Imunidade Tributária Recíproca em Face da Correios Celular sob o Prisma do Princípio da Livre Concorrência
André Santos Ferraz Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (UNB). Advogado em São Paulo. E-mail: andreferraz.adv@hotmail.com

Natureza Jurídica e Inconstitucionalidade da Instituição das Cobranças Estabelecidas no Art. 57 da Lei n. 9.615/1998 (“Lei Pelé”): uma Análise a partir do Destino da Arrecadação
Andrei Cassiano Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Advogado em Porto Alegre/RS. E-mail: andrei@cassianoadv.com.br

Não Incidência do PIS e da COFINS sobre Perdão de Dívida da Pessoa Jurídica Devedora
Bruna Barbosa Luppi Pós-graduada em Direito Constitucional Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Advogada na área tributária em São Paulo. E-mail: bluppi@vrbg.com.br

Aspectos Controvertidos sobre a Entrega de Instrumentos Patrimoniais aos Sócios na Devolução de Capital (Art. 22 da Lei n. 9.249/1995)
Bruno Akio Oyamada Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Especialista em Direito Tributário e Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Advogado em São Paulo. E-mail: bruno.oyamada@gmail.com

Aspectos Tributários e Contábeis do Arrendamento Mercantil no Brasil após a Edição do IFRS 16 e CPC 06 (R2)
Bruno Palhares Bontempo Especialista em Direito Tributário (FGV/SP). Bacharel em Direito (Mackenzie). Advogado em São Paulo/SP. E-mail: bbontempo@vdvadv.com.br

Normas Antielisivas e Segurança Jurídica: Análise da Jurisprudência do CARF sobre a Tributação na Segregação de Atividades Empresariais
Carlos Augusto Daniel Neto Doutor em Direito Tributário pela USP. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Ex-Conselheiro Titular da 1ª e 3ª Seções do CARF. Professor da Pós-graduação do IBDT. Advogado. E-mail: carlos.daniel@ddtax.com.br, Thais De Laurentiis Conselheira titular da 3ª Seção do CARF. Árbitra do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Doutoranda e Mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP, este último parcialmente cursado no Institut d’Études Politiques de Paris (SciencesPo). Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Professora de Direito Tributário e Aduaneiro. E-mail: thaisdelaurentiis@gmail.com

Analogia no Direito Tributário Brasileiro
Daniela Gueiros Dias Doutoranda em Direito pela University of Cambridge. Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. E-mail: dg563@cam.ac.uk

Tributação sobre o Pecado, Moldura Regulatória Brasileira e Desenvolvimento: uma Breve Análise do Projeto de Lei n. 186/2014
Frederico Silva Bastos Mestre pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas. Vinculado à Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas. Advogado e Professor do curso de Pós-graduação FGVLAW da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Membro da Society of Trust and Estate Practitioners e do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Foi Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais – NEF da Fundação Getulio Vargas. E-mail: fredericosbastos@gmail.com, João Vitor Kanufre Xavier da Silveira Vinculado à Universidade de São Paulo (USP). Mestrando pelo Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). FGVLAW da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Advogado em São Paulo. E-mail: jokanufre@gmail.com

Hardware as a Service e a Incidência do Imposto sobre Serviços (ISS): um Modelo a ser Revisto
Guilherme Adolfo Mendes Bacharel em Direito. Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Professor Doutor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Orientador pleno do programa de mestrado da FDRP/USP. E-mail: guilhermeadolfo@usp.br, Lucas Issa Halah Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – FDRP. Pós-graduado em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Pós-graduado em Fusões e Aquisições pelo IICS. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo – FDUSP. Advogado em Ribeirão Preto. E-mail: lucas@saidhalahadvogados.com.br

As Subvenções Governamentais e o Fato Gerador do Imposto de Renda
Julio Cezar Giongo Freddo Contador em Assessoria Contábil e Administrativa WJF – Pranchita/PR. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Santa Maria/RS. Pós-graduação Lato Sensu em Direito Tributário pela Estácio. E-mail: juliof.contabeis@gmail.com

Da Aplicação da Pena de Perdimento de Bens na Ocultação do Real Adquirente ou Aplicação da Multa de 10% (Dez por Cento) do Art. 33 da Lei n. 11.488/2007
Laércio Cruz Uliana Junior Mestre e Bacharel em Direito pelo UNIBRASIL. Conselheiro Titular do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Coordenador da Pós-graduação em Direito e Processo Tributário da ABDConst – Academia Brasileira de Direito Constitucional. E-mail: laerciocuj@gmail.com, Amanda Caroline Goularte Vieira Pós-graduanda em Direito e Processo Tributário pela ABDConst – Academia Brasileira de Direito Constitucional. Bacharela em Direito pela UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Advogada. Curitiba/PR. E-mail: amanda.goularte.vieira@gmail.com

O Supremo Tribunal Federal e a (in)coerência Interpretativa: o Caso da Quebra de Sigilo Bancário
Martha Leão Professora de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo/SP. Doutora e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Mestre em Teoria do Direito e Democracia Constitucional pelo Istituto Tarello per la Filosofia del Diritto/Università Degli Studi di Genova. Advogada em São Paulo. E-mail: martha.leao@humbertoavila.com.br

Indisponibilidade Pré-executória e Averbação Pré-executória: Análise sobre a Legalidade e Constitucionalidade do Art. 20-B da Lei n. 10.522/2002
Mateus Benato Pontalti Juiz Federal lotado na cidade Uberlândia/MG. Especialista em Direito Tributário pelo IBET e Mestrando em Direito Tributário pelo IBET. E-mail: mateus_pontalti@hotmail.com

Breves Considerações sobre a Digitalização da Economia e seus Impactos na Tributação
Nicholas Guedes Coppi Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Professor do curso de especialização em Direito Tributário do IBET. Advogado em Campinas/SP. E-mail: nicholas@gcbaadvogados.com.br, Thiago Santos da Silva Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC/SP. Agente Fiscal de Rendas da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo em Campinas/SP. E-mail: tssilva@fazenda.sp.gov.br

A Criminalização do não Recolhimento do ICMS Próprio e a Ficção de Repercussão Jurídica dos Tributos
Paulo Arthur Cavalcante Koury Doutorando em Direito Tributário na USP. Cursa o LLM (Master of Laws) na University of Cambridge. E-mail: paulo.arthur@airesbarreto.adv.br

Ágio Interno, Intertextualidade Normativa e Limites Interpretativos à Luz da Segurança Jurídica
Rômulo Cristiano Coutinho da Silva Doutorando e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI. Professor nos cursos de Pós-graduação FIPECAFI, IBDT e INSPER. Advogado em São Paulo. E-mail: rcoutinho@demarest.com.br

“Positivismo de Estimação”: a Instrumentalização da Aplicação do Art. 116, Parágrafo Único, do CTN enquanto Norma Antielisiva
Túlio Venturini de Souza Bacharel e Mestrando em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Advogado em São Paulo. E-mail: tulio.venturini@marizadvogados.com.br

Reflexões sobre o Recurso Extraordinário n. 574.706/PR
Viviane Lemes da Rosa Advogada. Diretora da Geslat – Gestão de Laticínios. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro de Estudos Jurídicos do Paraná. Especialista em Gestão Estratégica pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Marketing Intelligence pela Universidade NOVA de Lisboa. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Santa Catarina. E-mail: viviane@geslat.com.br

Seção II – Artigos de Autores (não Submetidos ao Sistema de Avaliação Double Blind Peer Review) – Doutrina Nacional

Direito e Contabilidade: Novas Perspectivas para a Relação entre as duas Ciências a partir do Convênio entre o IBDT e a FIPECAFI
Alexandre Evaristo Pinto Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo – USP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo – USP. Coordenador do MBA em IFRS da FIPECAFI. Professor no Curso de Pós-graduação em Direito Tributário do IBDT. Conselheiro Julgador do CARF, do TIT e do CMT. E-mail: alexandre.pinto@fipecafi.org, Ricardo Mariz de Oliveira Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da USP, em 1963. Especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP. E-mail: rmo@marizadvogados.com.br

Capacidade Contributiva e Dever Fundamental
André Folloni Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Direito da PUCPR. Doutor em Direito pela UFPR. E-mail: folloni.andre@pucpr.br

Os Efeitos da Avaliação a Valor Justo de Ativos e Passivos na Apuração do ITCMD Devido no Estado de São Paulo sobre a Transmissão de Participações Societárias
Elidie Palma Bifano Bacharel pela Faculdade de Direito da USP. Mestra e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora no Curso de Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo – FGV e nos Cursos de Especialização da Faculdade de Direito da PUC/SP, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT e da Escola de Direito do CEU – IICS. Advogada em São Paulo. E-mail: epb@marizsiqueira.com.br, Paulo Coviello Filho Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogado em São Paulo. E-mail: paulo.coviello@marizadvogados.com.br

Interpretação, Vigência e Eficácia das Normas Jurídicas – a Função dos Regulamentos – o Caso do Art. 129 da Lei n. 11.196
Ricardo Mariz de Oliveira Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT

Seção III – Artigo Premiado (Prêmio “Hiromi Higuchi”) – Doutrina Nacional

Conflitos de Competência Tributária entre o ISS e o IOF no Mercado Financeiro: Operações de Financiamento com Repasse de Recursos do BNDES
Arthur Leite da Cruz Pitman Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Pós-graduando em MBA (Master in Business Administration) em Gestão Tributária – FIPECAFI. Advogado em São Paulo. E-mail: arthurlcpitman@gmail.com, Rinaldo Leon Gomes Pereira Braga Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Pós-graduando em MBA (Master in Business Administration) em Gestão Tributária – FIPECAFI. Advogado em São Paulo. E-mail: rinaldobraga@gmail.com

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Aspectos Tributários e Contábeis do Arrendamento Mercantil no Brasil após a Edição do IFRS 16 e CPC 06 (R2)


Bruno Palhares Bontempo
Especialista em Direito Tributário (FGV/SP). Bacharel em Direito (Mackenzie). Advogado em São Paulo/SP. E-mail: bbontempo@vdvadv.com.br

Resumo. Este artigo tem como finalidade investigar os aspectos tributários e contábeis do arrendamento mercantil no Brasil, principalmente após a convergência das novas normas contábeis internacionais no País. Para tanto, são demonstrados os efeitos tributários do arrendamento mercantil conforme a Lei n. 6.099/74 e os requisitos para que o leasing seja tributado nos termos da referida lei sem que seja considerado compra e venda a prestação. Feita essa análise, passamos a examinar o tratamento contábil do arrendamento mercantil com a edição do IFRS 16 e CPC 06 (R2) no Brasil, bem como a neutralização dos efeitos tributários das referidas normas contábeis por meio da Instrução Normativa RFB n. 1.889/2019. Por fim, é feita uma análise sobre as divergências entre a interpretação jurídico-tributária e a contábil do arrendamento mercantil, bem como sobre a hipótese em que o direito tributário poderia se valer de uma interpretação econômica do fato, assim como faz a ciência contábil.

Palavras-chave: arrendamento mercantil, IFRS 16, tributação, ISS, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, neutralidade tributária, interpretação econômica

Abstract.

The purpose of this paper is to investigate the tax and accounting aspects of leasing in Brazil, especially after the convergence of new international accounting standards. In order to do so, the article addresses the tax effects of leasing laid down in Law 6.099/74 and the requirements for the leasing to be taxed under this same law without being considered as installment sale. Having made this analysis, we will examine the accounting treatment of leasing with the edition of IFRS 16 and CPC 06 (R2) in Brazil, as well as the neutralization of the tax effects of these accounting standards through Normative Instruction RFB 1.889/2019. Finally, an analysis is made of the differences between the legal-tax and accounting interpretations of leasing, as well as the hypothesis that tax law could use an economic interpretation of the fact, as does accounting science.

Keywords: Leasing, IFRS 16, taxation, ISS, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, tax neutrality, economic interpretation

Introdução

No período da II Guerra Mundial, muitos dos aliados dos Estados Unidos da América (EUA) não possuíam recursos para adquirir material bélico e outros itens que pudessem ser utilizados em batalha. A solução encontrada pelos EUA foi realizar uma espécie de empréstimo desses equipamentos aos seus aliados com características de locação e opção de devolução ou de compra dos materiais, o que resultou na edição do Lend Lease Act por aquele país 1.

O instituto do leasing se propagou na década de 1960 para a Europa e chegou ao Brasil em 1967, sendo regulamentado apenas no âmbito tributário pela Lei n. 6.099/74, ainda vigente. Nos dias de hoje, o contrato de arrendamento mercantil é utilizado como instrumento para as pessoas que não possuem condições financeiras para adquirir de imediato determinado bem ou que não pretendem mobilizar seu capital para tanto 2.

Com a adaptação do Brasil aos novos métodos contábeis internacionais que preconiza o princípio da “substância econômica sobre a forma jurídica”, com a finalidade de privilegiar o fornecimento de informações aos investidores, foi publicado recentemente o Pronunciamento Técnico CPC 06 (R2), baseado no IFRS 16 e em vigor desde 1º de janeiro de 2019, que disciplina o tratamento contábil do arrendamento mercantil.

Nesse contexto, tendo em vista (i) a necessidade de a Receita Federal neutralizar os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis emitidos após a publicação da Lei n. 12.973/2014, conforme estabelece o art. 58 desse mesmo diploma; e (ii) a divergência entre a interpretação jurídico-tributária e a contábil do arrendamento mercantil, este artigo pretende evidenciar tais diferenças, dispor sobre os efeitos tributários da Lei n. 6.099/74, sobre a neutralização dos efeitos tributários do CPC 06 (R2) e examinar a possibilidade ou não de o direito tributário também conferir uma interpretação econômica sobre o arrendamento mercantil.

Regulamentação do arrendamento mercantil no Brasil

O arrendamento mercantil não possui definição na legislação de direito privado (contrato atípico), mas apenas na lei tributária (e posterior regulação do Conselho Monetário Nacional – CMN, exigida pela lei tributária), sendo um contrato complexo por envolver ao menos duas ou três relações contratuais, a depender do tipo de leasing, quais sejam: locação, compra e venda (essas duas primeiras presentes tanto no leasing operacional quanto no financeiro) e operação de crédito (no leasing financeiro).

As principais modalidades de arrendamento mercantil são o leasing operacional e o leasing financeiro. Este último, o mais comum no mercado, ocorre quando uma empresa autorizada pelo Banco Central a atuar no mercado como arrendadora (normalmente uma instituição financeira) adquire de determinado fabricante ou importador um bem conforme as necessidades e especificações de terceiro (arrendatário). Este, por sua vez, paga contraprestações mensais à arrendadora, que ao final do contrato recuperará todo o valor investido mais seu lucro, mesmo na hipótese de o arrendatário não exercer a opção de compra 3. Assemelha-se, bastante, a um financiamento do bem assim negociado.

Como no arrendamento mercantil financeiro a arrendadora, em regra, não tem interesse em permanecer com o bem arrendado, é quase certo que ao final do contrato a arrendatária exercerá a opção de compra. Como consequência, nesse tipo de leasing a manutenção do bem durante a vigência do contrato costuma ser de responsabilidade do arrendatário.

Já no leasing operacional não há a figura de um intermediário: a relação contratual é direta entre a fabricante ou adquirente do bem (arrendadora) e o arrendatário. A operação econômica é semelhante à do leasing financeiro (contraprestações mensais com a opção de compra do bem) 4, com a diferença de que, como a arrendadora não adquire o bem a ser arrendado conforme as especificidades do arrendatário, mas o adquire ou o produz em função de fazer parte do seu próprio modelo de negócio, é mais comum que, ao final do contrato, ou mesmo antes, com a sua rescisão, haja a devolução do bem arrendado. Com efeito, ao contrário do financeiro, no arrendamento mercantil operacional a responsabilidade pela manutenção do bem costuma ser da arrendadora. Vale notar que, tendo em vista a versatilidade do mercado, o arrendamento mercantil operacional pode envolver tanto uma empresa de pequeno ou médio porte que fabrica equipamentos industriais para arrendá-los aos seus clientes, quanto uma empresa de grande porte que adquire grandes quantidades de veículos com desconto de montadoras para depois arrendá-los a grandes clientes corporativos.

Ocorre que, conforme mencionamos no início deste artigo, o arrendamento mercantil somente possui regulamentação específica em lei tributária e, por exigência desta, em resolução do CMN veiculada pelo Banco Central. A Lei n. 6.099/74 (com a regulação nela determinada dada pela Resolução CMN n. 2.309/96) traz diversos requisitos para que a operação de arrendamento mercantil possa usufruir da forma de tributação nela prevista. Assim, caso tais requisitos não sejam observados, a operação não poderá ser caracterizada como arrendamento mercantil para os fins específicos da lei tributária (Lei n. 6.099/74), de modo que, se houver a aquisição do bem pelo arrendatário, a qualquer tempo, a operação será considerada, para fins tributários, como operação de compra e venda a prestação 5.

Abaixo listamos os principais requisitos para que a operação seja enquadrada como arrendamento mercantil operacional nos termos da Lei n. 6.099/74 e Resolução CMN n. 2.309/96. Chamaremos de requisitos objetivos aqueles relacionados com o contrato de arrendamento, e de subjetivos os requisitos relacionados à própria arrendadora.

Requisitos Subjetivos Requisitos Objetivos
A arrendadora deve possuir natureza jurídica de Sociedade Anônima (art. 4º do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

Constar a expressão “Arrendamento mercantil” ao final da denominação social da arrendadora (art. 4º, parágrafo único, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

A atividade principal da arrendadora deve ser de práticas de operações de arrendamento mercantil (art. 2º, § 2º, da Lei n. 6.099/74).

 

A arrendadora deve estruturar e manter um Departamento Técnico, supervisionado diretamente por um diretor nomeado para prestar contas ao Banco Central (art. 2º do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

A contraprestação não pode ultrapassar 90% do valor do bem (art. 6º, inciso I, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

O prazo do arrendamento deve ser no mínimo de 90 dias e no máximo de 75% da vida útil econômica do bem (art. 6º, inciso II, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

O preço para o exercício da opção de compra deve ser o valor de mercado do bem arrendado (art. 6º, inciso III, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

Não deve haver previsão de pagamento de valor residual garantido (art. 6º, inciso IV, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

Deverão ser escriturados em conta especial do ativo imobilizado da arrendadora os bens destinados a arrendamento mercantil (art. 3º da Lei n. 6.099/74).

 

A arrendadora deverá manter registro individualizado que permita a verificação do fator determinante da receita e do tempo efetivo de arrendamento (art. 3º da Lei n. 6.099/74).

O bem arrendado deve ser suficientemente genérico, de modo a possibilitar seu arrendamento subsequente a outra arrendatária sem modificações significativas (art. 6º, inciso V, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

As perdas decorrentes do cancelamento do contrato após o período de cancelamento improvável não devem ser suportadas substancialmente pela arrendatária (art. 6º, inciso VI, do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96).

 

Em relação ao arrendamento mercantil financeiro, o art. 5º da Resolução CMN n. 2.309/96 estabelece que a operação que não for classificada como arrendamento mercantil operacional nos termos do art. 6º da mesma Resolução (vide requisitos objetivos da tabela acima) deve ser considerada leasing financeiro. Vale observar que nessa modalidade de leasing existe a possibilidade de se estabelecer um Valor Residual Garantido (VRG) 6, e o prazo mínimo do contrato deve ser de 2 anos se se tratar de bem com vida útil igual ou inferior a 5 anos, e de 3 anos para bens com vida útil superior a 5 anos – art. 8º da Resolução CMN n. 2.309/96.

Assim, caso não haja o cumprimento dos requisitos listados acima, e se o arrendatário exercer a opção de compra, o contrato será considerado de compra e venda a prestação para fins tributários, cuja tributação será analisada no próximo capítulo.

Vale notar que os requisitos objetivos listados acima possuem inspiração no US GAAP, norma contábil norte-americana que se pautava em requisitos objetivos para fazer a diferenciação entre o operating leasing (semelhante ao arrendamento mercantil operacional no Brasil) e o capital lease (semelhante ao arrendamento mercantil financeiro no Brasil) 7. Não obstante, a exemplo das normas contábeis internacionais (IFRS), o referido dispositivo normativo foi revogado, extinguindo-se a distinção entre leasing operacional e financeiro.

Amílcar Araújo Falcão 8, ao dispor sobre evasão fiscal, traz o exemplo do contribuinte alemão que pretendia vender um automóvel a prestações e, para fugir do tributo sobre vendas daquele país (Umsatzsteuer), realizou contrato de locação do veículo, cobrando aluguel pelo valor que seria cobrado por cada prestação de venda e assegurando ao locatário preferência na compra do veículo por preço predeterminado.

Segundo o referido jurista, o exemplo citado acima é tratado como fraude à lei tributária no direito alemão, e o meio empregado para a reprimir “ocorre através do método da chamada interpretação econômica” 9, ou seja, independentemente da forma jurídica do contrato, deve-se considerar a realidade econômica do negócio praticado. Conforme verificaremos mais adiante, a nova contabilidade traz conceito semelhante (essência econômica) para interpretar os diversos fatos sociais que a ela interessam.

O legislador brasileiro, segundo entendemos, ao impor diversos requisitos para que o arrendamento mercantil produza os efeitos tributários dispostos na Lei n. 6.099/74, o fez com a finalidade de evitar que o contribuinte pratique evasão fiscal ocultando uma operação que pode ser (a depender do caso concreto) fiscalmente mais onerosa que o arrendamento mercantil, como a compra e venda a prestação. Vale frisar que o arrendamento mercantil é contrato atípico, não sendo regulamentado no Brasil por normas do direito privado; por consequência, o legislador tributário se viu na necessidade de regulamentar esse instituto.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp n. 1.569.840/MT em 16 de agosto de 2018, ratificou o entendimento de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso, na qual o contribuinte que descumpriu o requisito previsto no art. 8º, inciso I, “a” e “b”, da Resolução CMN n. 2.309/96 (prazo mínimo de 2 anos do arrendamento mercantil financeiro) teve descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil, tendo sido configurada a operação de compra e venda a prestação. Com efeito, entendeu o Tribunal que o contribuinte deveria ter recolhido ICMS.

Segundo entendemos, a Lei n. 6.099/74 e a Resolução CMN n. 2.309/96 vão além de sua finalidade; não é necessário, por exemplo, que a arrendadora possua natureza jurídica de Sociedade Anônima (art. 4º do Anexo da Resolução CMN n. 2.309/96) para que a operação seja tributada como arrendamento mercantil nos termos da Lei n. 6.099/74. O tipo societário da arrendadora não possui qualquer relação com o fato de a operação ser de compra e venda a prazo, arrendamento mercantil ou qualquer outra. Entendemos, portanto, ser ilegal qualquer exigência prevista nos referidos diplomas normativos que vão além de sua finalidade, ou seja, que não guardam qualquer nexo causal com o fato de a operação ser arrendamento mercantil ou não.

Analisaremos a seguir as implicações tributárias do arrendamento (nos termos da Lei n. 6.099/74) e da compra e venda a prazo na hipótese de descaracterização daquele, para pessoas que apuram Imposto de Renda pelo Lucro Real. Serão analisadas apenas as implicações tributárias para pessoas que apuram IR pelo lucro real em função de sua relação direta com o lucro contábil, objeto do presente estudo.

Implicações tributárias

3.1. Arrendamento mercantil

3.1.1. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN

O arrendamento mercantil está previsto no subitem 15.09 da Lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 (“Arrendamento mercantil de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil”). Não obstante, ao julgar em 2009 o RE n. 592.905/SC sob sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento de que o leasing operacional se assemelha a uma locação (obrigação de dar), e por isso não haveria a incidência do ISSQN, devendo incidir o referido imposto apenas sobre o leasing financeiro e o lease back.

Destaca-se que recentemente o STF entendeu que o conceito de serviço não está restrito a obrigações de fazer (RE n. 651.703/PR, julgado em 2017), decidindo pela incidência do ISSQN sobre as operações de planos de saúde. Dessa forma, não se pode descartar a possibilidade de os tribunais voltarem a discutir a incidência do ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil operacional.

3.1.2. Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – IRPJ e CSLL

A quantia obtida com a contraprestação do arrendamento mercantil é considerada receita bruta para fins de apuração do IRPJ e CSLL. Além disso, podem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e CSLL da arrendadora os encargos de depreciação dos equipamentos arrendados, calculados na forma da legislação tributária, conforme dispõe o art. 13 da Lei n. 9.249/95 e art. 25 da Instrução Normativa SRF n. 11/96 10.

A depreciação calculada na forma da legislação tributária é diferente da depreciação contábil 11. A própria legislação tributária estabelece o prazo de vida útil e a taxa anual de depreciação que poderá ser deduzida do IRPJ e CSLL. No caso de equipamentos, por exemplo, a Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017 (Anexo III) estabelece, como regra, o prazo de vida útil de 10 anos e taxa de depreciação anual de 10%. A depreciação poderá ser acelerada dependendo do número de horas de operação do equipamento: se opera em dois turnos de 8 horas, poderá ser utilizada a taxa de depreciação de 15% ao ano, e se a operação for de três turnos de 8 horas, a taxa de depreciação será de 20% ao ano 12.

Vale observar que, nos termos do art. 124 da IN n. 1.700/2017, a arrendadora pode adotar taxa anual de depreciação diferente da estabelecida no Anexo III, “fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem, na produção dos seus rendimentos”, e desde que seja feita “prova dessa adequação” 13.

Em relação aos arrendatários, é vedada a dedução dos encargos de depreciação do bem arrendado da base de cálculo do IRPJ e CSLL, mesmo que contabilmente eles possam ser obrigados a reconhecer os referidos encargos conforme veremos no próximo capítulo. Por outo lado, os arrendatários poderão deduzir da base de cálculo do IRPJ e CSLL as contraprestações pagas pelo arrendamento mercantil 14.

3.1.3. Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – PIS e COFINS

A receita obtida com a contraprestação do arrendamento mercantil será considerada receita bruta para fins de apuração do PIS e da COFINS.

Em relação aos créditos de PIS e COFINS referentes ao arrendamento mercantil, o art. 218 da Instrução Normativa n. 1.911/2019 estabelece que a arrendadora deverá calculá-los “sobre o valor do custo de aquisição ou construção dos bens arrendados proporcionalmente ao valor de cada contraprestação durante o período de vigência do contrato”.

No tocante à apuração de crédito pelos arrendatários, o cálculo se dará pela aplicação das alíquotas do PIS e da COFINS sobre o valor das contraprestações mensais pagas pelo arrendamento 15.

3.2. Compra e venda a prestação

Conforme mencionado anteriormente, caso o arrendador não cumpra os requisitos previstos na Lei n. 6.099/74 e Resolução CMN n. 2.309/96, a operação de leasing será descaracterizada para fins tributários e, caso haja a aquisição do bem arrendado pelo arrendatário, a operação será tributada como compra e venda a prestação. Com efeito, analisaremos a seguir as implicações tributárias da compra e venda a prazo.

3.2.1. Imposto sobre Circulação de Mercadoria – ICMS

O ICMS não incide sobre a operação de arrendamento mercantil, tendo em vista que não há a transferência da titularidade do bem arrendado durante o contrato de leasing. No entanto, caso o contrato seja reclassificado pelas autoridades fiscais como compra e venda a prestação conforme explicado anteriormente, então deve-se assumir que ocorreu a transferência da titularidade do bem no momento em que ele foi entregue ao adquirente/arrendatário e, por consequência, o vendedor/arrendador deve recolher o ICMS sobre a soma das contraprestações recebidas mais o valor pelo qual o comprador/arrendatário exerceu a opção de compra. Transcrevemos abaixo decisão do Superior Tribunal de Justiça que confirma decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso nesse sentido:

“(…) A incidência do ICMS pressupõe operação de circulação de mercadoria (transferência da titularidade do bem), o que não ocorre nas hipóteses de arrendamento em que há mera promessa de transferência pura do domínio desse bem do arrendante para o arrendatário…

(…) sobre o que o STJ já pronunciou ‘O contrato de leasing. em nome do princípio da liberdade de contratar, somente pode ser descaracterizado quando configurada uma das situações previstas na Lei 6.099/74…’

O fato da operação de leasing ter sido descaracterizada autoriza a cobrança do ICMS, tal como fez o fisco, sendo, portanto, indevida a restituição pretendida pelo apelante, mostrando-se correta a manutenção da sentença que julgou improcedente os pedidos da repetição de indébito”. (STJ, REsp n. 1.569.840 – MT, j. 16.08.2018)

Vale notar que, em regra, o arrendador deve recolher ICMS sobre a transferência da titularidade do bem arrendado quando o arrendatário exerce a opção de compra. Não obstante, o Convênio ICMS 04/97 autoriza os Estados e Distrito Federal a conceder “isenção do ICMS na operação de venda do bem arrendado ao arrendatário, desde que este seja contribuinte do imposto”. O Estado de São Paulo, por exemplo, nos termos do art. 7º, Anexo I, do RICMS, concede isenção sobre a operação de venda de bem objeto do contrato de arrendamento mercantil, decorrente do exercício de opção de compra pelo arrendatário.

Destaca-se que, em regra, quando houver a exigência do ICMS na venda do bem, o arrendatário (na hipótese de arrendamento mercantil) ou adquirente (na hipótese de compra e venda a prazo) pode apropriar-se de crédito de ICMS decorrente da entrada do equipamento, quando destinado ao ativo permanente, à razão de 1/48 por mês, nos termos do § 5º do art. 20 da Lei Complementar n. 87/96.

3.2.2. Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – IRPJ e CSLL

Conforme mencionado anteriormente, analisaremos exclusivamente a tributação de empresas que apuram Imposto de Renda pelo Lucro Real. Nesse sentido, é importante observar que as pessoas jurídicas que apuram IRPJ e CSLL pela sistemática do Lucro Real estão sujeitas ao regime contábil de competência, de modo que a receita oriunda do contrato de compra e venda a prestação, caso o bem tenha sido classificado como estoque, deve ser reconhecida no momento em que há a transferência da titularidade do bem vendido (entrega), e não no momento em que as contraprestações são recebidas.

Assim, na hipótese de o contrato de arrendamento ser caracterizado como de compra e venda a prestação, estabelece o § 2º do art. 10 da Lei n. 6.099/74 que será considerado preço de compra e venda “o total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição”.

Além disso, como há a transferência da titularidade do equipamento no momento em que ele é entregue ao arrendatário, a arrendadora não poderia deduzir os encargos de depreciação após esse momento.

O arrendatário também não poderia deduzir os valores pagos a título de contraprestação do arrendamento na hipótese de o contrato ser reclassificado como compra e venda a prestação – mas apenas os encargos com a depreciação do bem arrendado, conforme explicamos no item anterior. Com efeito, estabelecem os §§ 3º e 4º do art. 11 da Lei n. 6.099/74 que “as importâncias já deduzidas, como custo ou despesa operacional pela adquirente” (contraprestações pagas), “acrescerão ao lucro tributável pelo imposto de renda, no exercício correspondente à respectiva dedução” com o acréscimo de multa, juros e correção monetária.

Por vim, vale observar que, na hipótese de contrato de compra e venda a prestação, caso o bem alienado esteja no ativo imobilizado, a alienante deverá apurar o IRPJ sobre o ganho de capital (diferença entre o preço da venda e o valor contábil). Nesta hipótese, tendo em vista que o contrato é de compra e venda a prestação, a receita decorrente do ganho de capital poderá ser computada na apuração do lucro real na proporção da parcela do preço recebida em cada mês, quando comporá a base de cálculo do IRPJ e CSLL. Neste caso, conforme esclarece a Receita Federal por meio da Solução de Consulta n. 238/2017 16, a receita deve ser reconhecida conforme o “regime de caixa”, ou seja, no momento em que cada parcela é recebida.

3.2.3. Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – PIS e COFINS não cumulativos

O PIS e a COFINS não cumulativos também devem seguir o regime de competência para empresas optantes pelo Lucro Real, de forma que a receita do contrato de compra e venda a prestação também deve ser reconhecida para fins de incidência das referidas contribuições no momento em que a arrendadora transfere a titularidade do bem.

Como o bem arrendado não permanece na titularidade da arrendadora, uma vez que há a transferência da titularidade do equipamento no momento em que ele é entregue ao arrendatário, ela (a arrendadora) não poderia descontar créditos de PIS e COFINS sobre os encargos de depreciação após o referido momento – na hipótese de o bem ter sido classificado como ativo imobilizado. Não obstante, na hipótese de o bem alienado ter sido registrado como estoque na arrendadora, seria possível o desconto de crédito de PIS e COFINS como bem adquirido para revenda, nos termos do inciso I do art. 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003.

Além disso, o arrendatário não poderia descontar créditos sobre os valores das contraprestações, mas apenas sobre os encargos de depreciação do bem arrendado ou mesmo o valor de aquisição, e o contribuinte poderá optar por realizar a depreciação no prazo de 48 meses 17.

O Arrendamento Mercantil à luz das novas normas contábeis – IFRS 16/CPC 06 (R2)

4.1. Classificação contábil do arrendamento mercantil

Com a finalidade de se adaptar às novas normas contábeis internacionais, foi emitido em 2008 no Brasil o Pronunciamento Técnico CPC 06 – Operações de Arrendamento Mercantil, amparado no IAS 17 do IASB. O CPC 06 conceituava no art. 4º o arrendamento mercantil como “um acordo pelo qual o arrendador transmite ao arrendatário em troca de um pagamento ou série de pagamentos o direito de usar um ativo por um período de tempo acordado”, diferenciando o arrendamento mercantil operacional do financeiro ao definir este como o arrendamento “em que há transferência substancial dos riscos e benefícios inerentes à propriedade de um ativo” 18.

Antes da publicação da Lei n. 11.638/2007, que adequou a contabilidade brasileira ao padrão internacional, tanto o arrendamento operacional quanto o financeiro eram contabilizados como despesa na arrendatária no momento do vencimento das respectivas contraprestações, sem que fosse registrado qualquer passivo ou ativo. Com a alteração do art. 179 da Lei n. 6.404/76 19 pela Lei n. 11.638/2007, os bens arrendados no leasing financeiro passaram a ser contabilizados no ativo da arrendatária, privilegiando-se a substância econômica sobre a forma jurídica, tendo em vista que do ponto de vista jurídico ainda não houve a transferência do direito de propriedade do bem 20.

O modelo estabelecido pelo IAS 17 estava sendo rediscutido pelo IASB desde 2006, de modo que, no início de 2016, foi publicado o IFRS 16, dando origem no Brasil ao CPC 06 (R2), que começou a produzir efeitos a partir de janeiro de 2019 21.

Uma das principais mudanças do IFRS 16/CPC 06 (R2) para o regime anterior foi que a arrendatária do leasing operacional também passou a dever classificar o bem arrendado como ativo no Balanço Patrimonial e depreciá-lo, sem possuir a necessidade de discriminar o arrendamento como financeiro ou operacional. Já em relação à arrendadora, não houve alteração substancial – esta continua devendo classificar o arrendamento como operacional ou financeiro.

Além disso, o IFRS 16/CPC 06 (R2) estabelece um conceito mais amplo para se identificar um arrendamento mercantil, conforme se observa do esquema abaixo recortado do próprio Pronunciamento Técnico:

Verifica-se do modelo exposto acima que até um contrato de locação ou cessão de direito pode ser identificado como arrendamento mercantil para fins contábeis, o que evidencia ainda mais que a contabilidade se preocupa com os efeitos econômicos da operação, e não com sua natureza jurídica. Nesse sentido, destaca-se que o CPC 00 (Introdução) estabelece que as demonstrações contábeis objetivam “fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões econômicas e avaliações por parte dos usuários em geral”. Vale dizer que os relatórios contábeis possuem como finalidade fundamental o fornecimento de informações úteis a investidores e credores que lhes permitam projetar fluxos de caixa futuros.

Nesse contexto, o principal motivo para a nova contabilidade (baseada na essência econômica) ter passado a exigir que o arrendamento mercantil operacional apareça no balanço patrimonial, e não apenas em notas explicativas, foi para que os usuários possam tomar conhecimento do verdadeiro passivo das empresas. Isso porque os investidores tinham dificuldade em aferir o verdadeiro passivo de entidades de diversos seguimentos como varejo, aviação, óleo e gás, que apresentavam um alto valor de ativo fixo sem que fosse evidenciado o grau de endividamento dessas entidades. Conforme apontado pela Bloomberg, cerca de US$ 3 trilhões em obrigações de arrendamento mercantil operacional não apareciam nos balanços de companhias listadas em bolsas de valores de todo o mundo 22.

Feitas essas considerações, passemos a analisar as regras específicas do CPC 06 (R2). Segundo o CPC 06 (R2), o arrendatário deve reconhecer um ativo de Direito de Uso e passivo de Arrendamento (§ 22), seja o arrendamento operacional ou financeiro.

Assim, inicialmente o arrendatário deve mensurar o passivo de Arrendamento pelo valor presente dos pagamentos do arrendamento que não são efetuados nessa data, descontada a taxa de juros implícita no contrato, se essa taxa puder ser determinada imediatamente. Caso contrário, o arrendatário deverá utilizar a taxa incremental sobre empréstimo (§ 26), considerando esta como a taxa que ele “teria de pagar ao pedir emprestado, por prazo semelhante e com garantia semelhante, os recursos necessários para obter o ativo com valor similar ao ativo de direito de uso em ambiente econômico similar” 23. Dessa forma, os juros são apropriados como despesas ao longo do tempo, e os pagamentos efetuados são considerados redutores do passivo de Arrendamento (§§ 36 a 43). Vê-se, portanto, que para a contabilidade a operação de arrendamento mercantil (em especial o financeiro) se assemelha a um financiamento, privilegiando-se a essência econômica sobre a forma jurídica 24.

Quanto ao ativo de Direito de Uso, estabelece o CPC 06 (R2) que inicialmente ele deve ser mensurado pelo arrendatário ao custo, compreendendo: o valor da mensuração inicial do passivo de Arrendamento, pagamentos de arrendamento efetuados até a data de início do contrato, quaisquer custos diretos iniciais incorridos pelo arrendatário e estimativa de eventuais custos a serem incorridos pelo arrendatário na desmontagem do equipamento arrendado (§§ 23 e 24). Posteriormente, deve-se subtrair do ativo de Direito de Uso, apurado pelo método de custo, qualquer depreciação acumulada e quaisquer perdas acumuladas por redução ao valor recuperável (§§ 29 e 30).

Ademais, a depreciação do ativo pelo arrendatário deve observar os seguintes prazos: (i) se houver evidências de que o arrendatário permanecerá com o ativo, deve ser utilizado o prazo de vida útil do ativo subjacente; caso contrário, (ii) deve ser adotado o prazo do contrato de arrendamento ou o prazo de vida útil do ativo, o que ocorrer primeiro (§ 32). Verifica-se, portanto, que ao permitir a depreciação do ativo no arrendatário, a contabilidade pressupõe que ele possui a titularidade do bem mesmo não havendo título jurídico de propriedade 25, embora, para o Direito, só houvesse a transferência do direito de propriedade quando o arrendatário exercesse a opção de compra.

Já a arrendadora deve verificar se o leasing é financeiro ou operacional – sendo financeiro, deve-se reconhecer um ativo apresentado como Contas a Receber, correspondendo ao investimento líquido no arrendamento. O arrendamento dará origem a uma receita financeira para cada período contábil, de forma que a diferença entre cada recebimento de receita financeira é considerada como amortização do ativo (§§ 67 a 80).

Se o leasing for operacional, a arrendadora deve reconhecer o bem arrendado no ativo de acordo com a sua natureza. Os recebimentos de prestações do arrendamento devem ser reconhecidos como receita pelo método linear durante o prazo do arrendamento; e os custos, incluindo a depreciação, incorridos na obtenção da receita de arrendamento, devem ser reconhecidos como despesas (§§ 81 a 88).

4.2. Neutralização dos efeitos tributários

O art. 58, caput e parágrafo único, da Lei n. 12.973/2014 estabelece que a modificação ou adoção de novos métodos contábeis posteriores à publicação da referida lei não terá impacto sobre a apuração de tributos federais, cabendo à Receita Federal identificar quais são os novos métodos contábeis e dispor sobre o procedimento para anular os seus efeitos na apuração de tributos federais.

Segundo Elidie Palma Bifano, não haveria necessidade de qualquer ato da Receita Federal dispor sobre a neutralidade referida no art. 58 citado acima, tendo em vista que sua “ausência em nada afetaria a neutralidade fiscal” 26. De qualquer forma, a Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB n. 1.889/2019, que incluiu o Anexo V da Instrução Normativa RFB n. 1.753/2017, com a finalidade de identificar os novos métodos contábeis instituídos pelo CPC 06 (R2) e os meios para neutralizar seus potenciais efeitos tributários.

Conforme explicamos anteriormente sobre a tributação do arrendamento mercantil no Brasil, o arrendatário pode deduzir as contraprestações pagas ao arrendador do IRPJ e CSLL; os encargos de depreciação do bem arrendado podem ser deduzidos apenas pelo arrendador, tendo em vista que é este quem possui a sua propriedade.

Com efeito, considerando que o lucro real parte do lucro líquido (apurado pela contabilidade) ajustado por meio do Livro Eletrônico de Escrituração e Apuração do Imposto sobre a Renda (e-Lalur), as contraprestações pagas pelo arrendatário e que não tenham sido reconhecidas como despesas poderão ser excluídas do lucro líquido na determinação do lucro real e do resultado ajustado na parte A do e-Lalur e do e-Lacs (§ 6º, inciso I, do Anexo V da IN n. 1.753/2017). Além disso, o arrendatário deverá adicionar ao lucro líquido, na determinação do lucro real e do resultado ajustado na parte A do e-Lalur e do e-Lacs, as despesas decorrentes da depreciação do bem arrendado (§ 9º, inciso I, “a”, do Anexo V da IN n. 1.753/2017). Na prática, admite-se ao arrendatário a dedutibilidade dos valores incorridos com as contraprestações pagas ao arrendador e a indedutibilidade dos encargos de depreciação do bem arrendado.

Em relação ao PIS e à COFINS, o arrendatário pode descontar créditos sobre as contraprestações pagas ao arrendador, e apenas este último pode descontar créditos relativos à depreciação do bem arrendado, tendo em vista que é ele quem possui direito à propriedade do ativo. Em vista disso, o Anexo V da IN n. 1.753 proíbe o arrendatário de descontar créditos relativos à depreciação do ativo de direito de uso (§ 16, inciso II, do Anexo V da IN n. 1.753/2017) e permite que sejam descontados créditos calculados em relação aos valores das contraprestações pagas (§ 16, inciso I, do Anexo V da IN n. 1.753/2017).

No tocante à arrendadora, ela deve reconhecer como receita bruta para apuração do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS os valores recebidos a título de contraprestação do arrendamento (seja operacional ou financeiro), bem como pode deduzir do IRPJ e CSLL e descontar créditos do PIS e da COFINS em relação às despesas incorridas com a depreciação do ativo arrendado.

Conforme mencionado, o CPC 06 (R2) não trouxe modificações substanciais à arrendadora em relação ao regime contábil anterior – CPC 06 (R1). Com efeito, continua sendo aplicada a neutralização dos efeitos tributários estabelecida pela Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017, segundo a qual, na apuração do lucro real da arrendadora que transfere substancialmente os riscos e benefícios inerentes à propriedade do ativo (arrendamento mercantil financeiro), deverá ser reconhecido como resultado da operação de arrendamento o valor de cada contraprestação, devendo ser realizados os ajustes no e-Lalur e e-Lacs se necessário (art. 173 da IN n. 1.700/2017). Além disso, a referida Instrução Normativa também estabelece que são dedutíveis na apuração do lucro real da arrendadora os encargos de depreciação gerados pelo bem arrendado (art. 172 da IN n. 1.700/2017).

Verifica-se, portanto, que os potenciais efeitos fiscais das normas contábeis de arrendamento mercantil, seja na pessoa do arrendatário ou do arrendador, foram totalmente neutralizados pela Receita Federal em obediência ao disposto no art. 58 da Lei n. 12.973/2014, devendo prevalecer a tributação conforme a legislação tributária – nos termos da Lei n. 6.099/74 e desde que observados os requisitos por ela estabelecidos.

A principal diferença entre a interpretação jurídico-tributária e a contábil do arrendamento mercantil está na identificação do titular do bem arrendado, qual patrimônio ele integra: enquanto para aquela (interpretação jurídica) a propriedade do bem continua com o arrendador até que o arrendatário exerça a opção de compra, para a contabilidade o que importa é que o arrendatário adquira substancialmente todos os benefícios econômicos do uso do ativo.

Conforme observa Fábio Konder Comparato 27, a contabilidade manifesta uma visão de patrimônio diferente daquela sob a perspectiva do Direito Civil (universalidade de bens, direitos e obrigações), passando para uma perspectiva econômica, análoga à noção de beneficial ownership do Direito anglo-saxão, que diferencia aquele que dispõe da mera titularidade jurídica sobre o bem e aquele que usufrui desse bem (beneficial owner) em função do controle 28 que exerce sobre ele.

Segundo entendemos, fez bem a Receita Federal ao neutralizar os eventuais efeitos tributários das novas normas contábeis, introduzidas pelo IFRS 16, sobre arrendamento mercantil. A interpretação econômica da contabilidade, que privilegia a substância econômica sobre a forma jurídica, não é, em princípio, compatível com o direito tributário enquanto ramo didaticamente autônomo do Direito, a não ser nos casos em que a própria norma tributária atribui o mesmo tratamento da contabilidade para determinado fato econômico.

Conforme observa Paulo de Barros Carvalho 29, os fatos ocorridos no mundo fenomênico podem ser observados como jurídicos, contábeis, econômicos, políticos, etc.; com efeito, utilizando o critério jurídico, o fato será unicamente jurídico, de natureza jurídica e não de natureza econômica ou qualquer outra. Segundo o referido autor, “o direito não pede emprestado conceitos de fatos para outras disciplinas, ele mesmo constrói sua realidade”. Dessa forma, tratar a hipótese de incidência sempre como um fato econômico ou interpretar a aplicação do Direito Tributário segundo a realidade econômica do fato social, resultaria na demolição da juridicidade do Direito Tributário e a gestação de um Direito Tributário invertebrado, denominação retirada da doutrina de Alfredo Augusto Becker 30.

Para Johnson Barbosa Nogueira 31, a interpretação econômica no Direito Tributário adota as seguintes variantes conceituais: (i) busca da substância econômica sobre a forma jurídica; (ii) utilização de conceitos próprios de Direito Tributário, em decorrência de sua autonomia em relação ao Direito Privado; (iii) busca de identidade de efeitos econômicos, ou seja, fatos diversos com o mesmo efeito econômico devem ter o mesmo tratamento fiscal; (iv) combate ao abuso de formas do Direito Privado; (v) introdução da teoria do abuso do direito no Direito Tributário; (vi) mera interpretação teleológica; (vii) valoração dos fatos; (viii) interpretação dos fatos, de modo que a interpretação econômica atuaria na qualificação dos fatos, e não na interpretação da norma.

Para o jurista baiano, das variantes listadas acima, deve prevalecer apenas a do combate ao abuso de forma, além da tendência do legislador de definir o fator gerador de tributos recorrendo à descrição econômica para evitar evasão fiscal 32.

Desse modo, no âmbito do arrendamento mercantil, entendemos que devem prevalecer os conceitos de propriedade e patrimônio previstos no Direito Civil, de forma que os efeitos tributários do leasing devem partir da premissa de que o bem arrendado permanece no patrimônio do arrendador enquanto o arrendatário não exerce a opção de compra 33.

Apenas seria admissível a interpretação econômica do leasing, conforme analisamos anteriormente e em linha com os ensinamentos de Johnson Barbosa Nogueira, no caso em que o contribuinte praticasse abuso de forma, fraude à lei, ou qualquer outro meio que resultasse em evasão fiscal através da celebração artificial do contrato de arrendamento mercantil. Assim, a Lei n. 6.099/74 e a Resolução CMN n. 2.309/96, embora tenham ido além de sua finalidade conforme mencionado, cumprem a função de evitar que o contribuinte realize operação de compra e venda a prestação, por exemplo, sob a roupagem de arrendamento mercantil para usufruir de uma tributação mais favorecida.

Conclusão

Depreende-se, por todo o exposto, que embora o arrendamento mercantil seja contrato atípico, pois não é regulamentado pelo Direito privado, ele é regulado por lei tributária (Lei n. 6.099/74 e Resolução CMN n. 2.309/96). Tal regulamentação teve a finalidade, segundo entendemos, de combater a evasão fiscal através da celebração artificial de contrato de arrendamento mercantil.

A Lei n. 6.099/74 e a Resolução CMN n. 2.309/96 estabelecem diversos requisitos para que o arrendamento mercantil seja tributado conforme as disposições daquela lei, de forma que, caso esses requisitos não sejam observados e o arrendatário exerça a opção de compra do bem arrendado, a operação será considerada como de compra e venda a prestação para fins exclusivamente tributários.

Segundo entendemos, os referidos diplomas normativos foram além de sua finalidade, de forma que aqueles requisitos que não guardam qualquer relação com a finalidade de combater evasão fiscal, ou seja, que não possuem nexo causal com o fato de o contrato celebrado entre os particulares possuir natureza jurídica de arrendamento mercantil ou não, deveriam ser considerados ilegais.

Em relação aos novos métodos e critérios contábeis previstos no CPC 06 (R2), baseado no IFRS 16, eles consideram – embasados no conceito fundamental dentro da definição de ativo, i.e., o controle – o arrendatário como se fosse titular do bem, de forma que fica evidente a diferença entre a interpretação contábil dos fatos sociais (que privilegia a essência econômica sobre a forma jurídica) e a interpretação jurídico-tributária.

Com efeito, entendemos que a Receita Federal acertadamente neutralizou os efeitos tributários do CPC 06 (R2) com a publicação da Instrução Normativa n. 1.889/2019, tendo em vista que, no caso do arrendamento mercantil, a interpretação contábil e a jurídico-tributária são incompatíveis.

Por fim, defendemos que só seria admissível a interpretação econômica no Direito Tributário nas hipóteses em que se pretende combater casos claros de evasão fiscal, como fraude à lei e abuso de forma, o que pretendeu fazer o legislador com a publicação da Lei n. 6.099/74.

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WAISBERG, Ivo. Arrendamento mercantil. In: CARVALHOSA, Modesto (coord.). Tratado de direito empresarial. São Paulo: Thomson Reuters, 2016. v. IV.

 

Notes:

  1. WAISBERG, Ivo. Arrendamento mercantil. In: CARVALHOSA, Modesto (coord.). Tratado de direito empresarial. São Paulo: Thomson Reuters, 2016. v. IV, p. 195.
  2. Ibid., p. 195-196.
  3. WAISBERG, Ivo. Op. cit., p. 199.
  4. WAISBERG, Ivo. Op. cit., p. 201.
  5. Resolução CMN n. 2.309/96. “Art. 33. As operações que se realizarem em desacordo com as disposições deste Regulamento não se caracterizam como de arrendamento mercantil.”

    Lei n. 6.099/74. “Art. 11. Serão consideradas como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.

    § 1º A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e venda a prestação.”

  6. Garantia de que o arrendador receberá um valor mínimo com a venda do bem na hipótese de o arrendatário não exercer a opção de compra, tendo em vista que no leasing financeiro o arrendador espera pelo menos ser ressarcido pelo dispêndio que teve com a aquisição do bem.
  7. FAS 13, parágrafo 7: “The criteria for classifying leases set forth in this paragraph and in paragraph 8 derive from the concept set forth in paragraph 60. If at its inception (as defined in paragraph 5(b)) a lease meets one or more of the following four criteria, the lease shall be classified as a capital lease by the lessee. Otherwise, it shall be classified as an operating lease. (See Appendix C for an illustration of the application of these criteria.)

    a. The lease transfers ownership of the property to the lessee by the end of the lease term (as defined in paragraph 5(f)).10a

    b. The lease contains a bargain purchase option (as defined in paragraph 5(d)).

    c. The lease term (as defined in paragraph 5(f)) is equal to 75 percent or more of the estimated economic life of the leased property (as defined in paragraph 5(g)). However, if the beginning of the lease term falls within the last 25 percent of the total estimated economic life of the leased property, including earlier years of use, this criterion shall not be used for purposes of classifying the lease.

    d. The present value at the beginning of the lease term of the minimum lease payments (as defined in paragraph 5(j)), excluding that portion of the payments representing executory costs such as insurance, maintenance, and taxes to be paid by the lessor, including any profit thereon, equals or exceeds 90 percent of the excess of the fair value of the leased property (as defined in paragraph 5(c)) to the lessor at the inception of the lease over any related investment tax credit retained by the lessor and expected to be realized by him. However, if the beginning of the lease term falls within the last 25 percent of the total estimated economic life of the leased property, including earlier years of use, this criterion shall not be used for purposes of classifying the lease”.

  8. FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 45.

  9. Ibid., p. 46.
  10. Lei n. 9.249/95. “Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções (…)

    III – de despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo, conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços;”

    Instrução Normativa SRF n. 11/96. “Art. 25. Parágrafo único. Consideram-se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização: (…) j) os bens móveis e imóveis objeto de arrendamento mercantil nos termos da Lei n. 6.099, de 1974, pela pessoa jurídica arrendadora;”

  11. CPC 27, § 6º: “Depreciação é a alocação sistemática do valor depreciável de um ativo ao longo da sua vida útil. Valor depreciável é o custo de um ativo ou outro valor que substitua o custo, menos o seu valor residual. Vida útil é: (a) o período de tempo durante o qual a entidade espera utilizar o ativo; ou (b) o número de unidades de produção ou de unidades semelhantes que a entidade espera obter pela utilização do ativo.”
  12. Art. 323 do Decreto n. 9.580/2018.
  13. “Art. 124. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção dos seus rendimentos.

    § 1º O prazo de vida útil admissível é aquele estabelecido no Anexo III desta Instrução Normativa, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça prova dessa adequação quando adotar taxa diferente.”

  14. Decreto n. 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda). “Art. 366. Poderão ser computadas para fins de determinação do lucro real da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força de contrato de arrendamento mercantil, referentes a bens móveis ou imóveis intrinsecamente relacionados com a produção ou com a comercialização dos bens e dos serviços, inclusive as despesas financeiras nelas consideradas (Lei n. 12.973, de 2014, art. 47).

    § 3º São vedadas as deduções de despesas de depreciação, amortização e exaustão geradas por bem objeto de arrendamento mercantil pela arrendatária, na hipótese em que esta reconheça contabilmente o encargo (Lei n. 9.249, de 1995, art. 13, caput, inciso VIII).”

  15. Lei n. 10.833/2003. “Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

    (…)

    V – valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES;

    (…)

    § 1º Observado o disposto no § 15 deste artigo, o crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do art. 2º desta Lei sobre o valor:

    (…)

    II – dos itens mencionados nos incisos III a V e IX do caput, incorridos no mês;”

  16. Solução de Consulta COSIT n. 238/2017: “Lucro real. Ganho de capital – Bens do ativo não circulante (imobilizado, investimento e intangível) – Vendas a prazo – Diferimento da receita – Momento do reconhecimento. A receita decorrente do ganho de capital na alienação a prazo de bens do ativo não circulante, classificados como imobilizado, investimento e intangível, poderá ser computada na apuração do lucro real na proporção da parcela do preço recebida em cada mês, quando comporá a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ. Na apuração da base de cálculo do IRPJ a receita deve ser reconhecida, proporcionalmente ao valor da parcela recebida, no momento do recebimento de cada parcela – regime de caixa –, independentemente de ter sido lavrada a escritura pública de compra e venda”.
  17. Lei n. 10.833/2003. “Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

    (…)

    XI – bens incorporados ao ativo intangível, adquiridos para utilização na produção de bens destinados a venda ou na prestação de serviços.

    § 1º Observado o disposto no § 15 deste artigo, o crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do art. 2º desta Lei sobre o valor:

    (…)

    III – dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados nos incisos VI, VII e XI do caput, incorridos no mês;

    (…)

    § 14. Opcionalmente, o contribuinte poderá calcular o crédito de que trata o inciso III do § 1º deste artigo, relativo à aquisição de máquinas e equipamentos destinados ao ativo imobilizado, no prazo de 4 (quatro) anos, mediante a aplicação, a cada mês, das alíquotas referidas no caput do art. 2º desta Lei sobre o valor correspondente a 1/48 (um quarenta e oito avos) do valor de aquisição do bem, de acordo com regulamentação da Secretaria da Receita Federal.”

  18. GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; e MARTINS, Eliseu. Manual de contabilidade societária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 836-838.
  19. “Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:

    (…)

    IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens; (Redação dada pela Lei n. 11.638, de 2007)”.

  20. GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; e MARTINS, Eliseu. Op. cit., p. 836.
  21. Ibid., p. 837.
  22. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2017-03-20/say-hello-to-3-trillion-in-forgotten-debt>.
  23. GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; e MARTINS, Eliseu. Op. cit. p. 1.275.
  24. BIANCO, João Francisco. A aparência econômica e natureza jurídica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexandre Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010. v. 1, p. 178.
  25. SANTOS, Ramon Tomazela. Os créditos de PIS e COFINS calculados sobre as contraprestações de arrendamento mercantil e a antecipação do Valor Residual Garantido (VRG). Revista Dialética de Direito Tributário v. 210, São Paulo, 2013, p. 101.
  26. BIFANO, Elidie Palma. Exegese do art. 58 da Lei n. 12.973/2014: modificação de métodos e critérios contábeis ou adoção de novos. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; e FERNANDES, Edison Carlos (coord.). Revista de Direito Contábil Fiscal v. 1, São Paulo: APET, 2019, p. 81-82.
  27. COMPARATO, Fábio Konder. O irredentismo da “nova contabilidade” e as operações de “leasing”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro v. 26, n. 68. São Paulo: RT, 1987, p. 59-60.
  28. Conforme estabelece o CPC 00, o controle é a característica principal para que um bem seja classificado como ativo na contabilidade. Nesse sentido, o § 4.12 dispõe que: “(…) Ao determinar a existência do ativo, o direito de propriedade não é essencial. Assim, por exemplo, um imóvel objeto de arrendamento mercantil será um ativo, caso a entidade controle os benefícios econômicos que são esperados que fluam da propriedade”.
  29. CARVALHO, Paulo de Barros. O absurdo da interpretação econômica do “fato gerador” – Direito e sua autonomia – O paradoxo da interdisciplinaridade. Revista de Direito Tributário n. 97. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 16.
  30. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007.
  31. NOGUEIRA, Johnson Barbosa. A interpretação econômica do direito tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1982, p. 95-130.
  32. Ibid., p. 130.
  33. Vale notar que, em função dos novos modelos de negócio que se apresentam na modernidade, o conceito de propriedade no Direito é um desafio a ser enfrentado pelo legislador. A Airbnb, por exemplo, é uma das maiores empresas que trabalha com hospedagem do mundo, mas não possui imóveis em sua propriedade.