Reconstruindo a Confiança na Relação Fisco-Contribuinte
Sergio André Rocha
Professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Livre-docente em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. E-mail: sergio.andre@sarocha.com.br
Resumo. Este artigo tem foco no estudo da relação entre o Fisco e os contribuintes no Brasil contemporâneo, analisando as causas da sua natureza conflituosa e repressiva. Propomos uma modificação do modo como as autoridades fiscais percebem os contribuintes, tendo como referência a experiência da agência fiscal sueca.
Palavras-chave: compliance voluntário, princípio da legalidade, administração fiscal, transferência de deveres instrumentais, solução de disputas
Abstract.
This paper focuses on the study of the current relationship between tax authorities and taxpayers in Brazil, considering the causes for its litigious and repressive nature. We propose a change in the way tax authorities perceive taxpayers, taking into account the experience of the Swedish tax agency.
Keywords: voluntary compliance, legality principle, tax administration, transfer of ancillary obligations, dispute resolution
Introdução
Olhando ao redor, notamos um fato alarmante em relação ao qual nos sentimos impotentes: o Sistema Tributário Nacional está quebrado. Em todas as áreas, começando pelo seu congelamento constitucional e todas as mazelas dele decorrentes – usualmente apresentadas como virtudes; passando pela deturpação das espécies tributárias e a proliferação de contribuições patológicas, aliadas à Desvinculação das Receitas da União (que hoje alcança também Estados e Municípios); pela injusta distribuição da carga tributária pelos tributos em espécie, a qual cobra pagamento de quem não tem capacidade contributiva; e desembocando em um anacrônico e ineficiente processo tributário (administrativo e judicial), verificamos um sistema disfuncional, inseguro e injusto.
A este fato soma-se, no contexto brasileiro atual, a completa desconfiança do contribuinte em relação ao Poder Público. Embora faltem testes empíricos, é intuitivo que há muito tempo não se percebem índices tão baixos de confiança no Estado por parte do cidadão. Do outro lado da mesa a situação não é diferente. A percepção da autoridade fiscal em relação ao contribuinte é de caráter policialesco. Em certa medida, ela reflete o ambiente que se desenvolveu no Brasil nos últimos anos, em que se separam virtuosos de imorais, colocando-se os contribuintes neste último grupo.
A questão que se percebe é que, considerando a situação brevemente exposta acima, a arrecadação tributária se realiza em um ambiente de constante litigiosidade e animosidade. Há anos Ives Gandra da Silva Martins insiste que as normas tributárias se incluem no conjunto das ditas “normas de rejeição social”. Essa análise, em uma primeira aproximação, parece refletir a situação brasileira atual – embora, como veremos adiante, não possa ser considerada uma característica ontológica da tributação. O ato de pagar tributo não é visto – como deveria ser – como um exercício de cidadania fiscal. É uma forma de evitar a ação repressiva do Estado, no mais das vezes vista como absurda, desproporcional e injusta.
Como já pontuei em estudo anterior 1, estou absolutamente convencido de que não é possível reconstruir o Sistema Tributário Nacional nesse ambiente de isolamento e beligerância. Uma característica marcante da transição da sociedade industrial para a sociedade digital contemporânea é que os problemas hipercomplexos da sociedade atual não são solúveis por meio de uma intervenção pontual do legislador 2. Na verdade, boa parte dos problemas hipercomplexos da pós-modernidade não é sequer passível de solução, sendo apenas administrável.
O objetivo deste artigo é chamar a atenção para a urgência de lidarmos com a questão da reconstrução da confiança entre o Fisco e os contribuintes, apontando alguns elementos relevantes para este processo. Utilizarei como pano de fundo a experiência da Suécia, onde em algumas décadas a percepção pública a respeito do órgão de fiscalização passou de sua consideração como um instrumento de repressão para a sua identificação como o órgão público mais confiável da perspectiva do povo sueco 3.
Uma ressalva formal: todas as transcrições de textos escritos originalmente em outras línguas foram livremente traduzidas para o português pelo autor.
Contextualizando o problema
2.1. Transformação da legalidade de instrumento de libertação em instrumento de dominação
Em interessante estudo, Marco Aurélio Greco nos apresentou o que chamou de “três papéis da legalidade”. Segundo ele, “ao se conceber o fenômeno tributário apenas da perspectiva do binômio autoridade/liberdade e vista a tributação como atividade que atinge o patrimônio individual – por razões históricas de todos conhecidas que veem do relacionamento súdito/rei e da formação dos parlamentos –, a legalidade assumiu um papel de proteção e defesa do contribuinte contra pretensões do detentor do poder no sentido de obter recursos financeiros pelo simples exercício do seu poder de fato” 4. Esta perspectiva sobre o princípio da legalidade é chamada por Greco de “Legalidade-Libertação”.
Marco Aurélio Greco sublinha que esta perspectiva da legalidade, que no Brasil teria origem nos esforços de Geraldo Ataliba, foi importante no seu tempo histórico, notadamente por permitir algum debate tributário no contexto autoritário do regime militar 5. Entretanto, este debate essencialmente formal se esgotou e, como aponta o autor, a lei transmutou-se de instrumento de libertação em mecanismo de dominação, exatamente pela falta de formas de controle do seu conteúdo. Assim, “o cultivo à legalidade pura abriu espaço para que uma lei – agora não passível de contestação, posto que bem formulada – veiculasse os mais diversos conteúdos com a característica comum de proteger o interesse arrecadatório do Estado mediante criação de novos institutos ou atribuição de maiores prerrogativas ao crédito tributário cuja interface é a imposição de restrições e a perda de espaço para as liberdades do cidadão” 6. Surge, então, a “Legalidade-Dominação”.
Nesse contexto o autor propõe uma nova etapa no debate da legalidade, que prestigie a sociedade civil e reconheça “o tanto de cidadania envolvido no debate tributário”. Prestigiar a sociedade civil “é transformar o debate tributário de modo que seu foco passe do tributo em si para a tributação como um todo e, com isto, alimentar a democracia em sua mais pura expressão para que o contribuinte deixe de ser o objeto da lei (seu sujeito submetido) para se tornar o agente motor da construção dos destinos da sociedade” 7. Ou seja, deve-se deixar um modelo formal de legalidade para outro em que se tenha “uma ação direcionada à aprovação de regras em sintonia com os valores, princípios e objetivos constitucionais, pois estas levarão à mudança e à construção de um desenho distinto do relacionamento fisco/contribuinte” 8. Nesta fase, a legalidade passa a ter um novo perfil, de “Legalidade-Emancipação”.
A advertência feita por Marco Aurélio Greco é bastante atual. Escrevi um artigo em 2015 analisando o que chamei de “planejamento tributário estatal abusivo”, chamando a atenção para situações de leis formalmente válidas, mas artificiais, editadas em “fraude à Constituição”, para usar uma versão da expressão “fraude à lei” que se tornou popular no debate sobre o planejamento tributário abusivo dos contribuintes 9. A falta de instrumentos para o questionamento do desvio de finalidade e da artificialidade das leis torna-a um veículo de dominação do contribuinte pela legalidade formal.
Cremos ser impossível desenvolver um ambiente de confiança onde o Fisco busca defender suas posições por meio de modificações legislativas formais que, se analisadas pelos mesmos critérios usados para avaliar planejamentos tributários dos contribuintes, seriam consideradas artificiais e praticadas com abuso do direito de legislar.
Assim, o ambiente de desconfiança se inicia no próprio exercício da atividade legislativa, a qual, em grande medida, foi delegada às autoridades fiscais – especialmente na esfera federal. O projeto base das iniciativas legislativas tem início, normalmente, com a edição de uma medida provisória, e a Receita Federal tem uma influência significativa no processo de discussão congressual.
2.2. Normas de incidência fiscal como normas de rejeição social?
Como mencionamos, já em sua tese de doutorado, defendida no ano de 1983, Ives Gandra da Silva Martins sustentou a separação das regras jurídicas em dois grupos: “regras de aceitação social” e “regras de rejeição social”. Segundo este autor “as normas de aceitação social encontram-se entre aquelas que são de cumprimento natural – quase sempre próprias do direito natural –, sendo a sanção mera consequência de sua formulação jurídica”. De outra parte, “não se pode dizer o mesmo quanto às normas de rejeição social. Para estas, no aspecto meramente instrumental, aplicar-se-ia o conceito nuclear da teoria kelseniana, na medida em que a sanção é a norma primária, sendo secundário o ‘o dever-ser’. Sem a sanção, no concernente às normas de rejeição social, dificilmente seriam adimplidas as obrigações inseridas nos comandos existentes”. Por fim, arremata Gandra Martins, “o tributo é, por excelência, veiculado por norma de rejeição social. Dada a complexidade inerente ao crescimento da vida em sociedade, dificilmente a obrigação de recolher tributo seria cumprida sem sanção. E Hart reconhece a natureza de rejeição social na norma tributária, muito embora sem lhe atribuir a nomenclatura que estou adotando” 10.
A questão levantada por Ives Gandra nos remete a uma das questões mais complexas do Direito: por que as pessoas obedecem à lei?
A resposta do positivismo jurídico a esta questão normalmente vem associada à existência de sanções que sejam aplicadas como consequência jurídica do cometimento de uma infração. É claro o fundamento das lições de Ives Gandra em Kelsen e Hart, por exemplo. O mesmo debate vai aparecer em um autor mais contemporâneo, o americano Frederik Schauer, para quem há “base substancial para a hipótese de que uma lei sem sanções, que não siga as preferências e julgamentos das pessoas independentes da existência da lei (incluindo julgamentos morais), é normalmente ineficaz” 11.
Uma característica da literatura jurídica, que se reflete na literatura jurídico-tributária, é tratar questões como a posta acima de uma perspectiva essencialmente filosófica. Contudo, a ciência que estuda as razões do comportamento humano não é o Direito, mas a psicologia e a neurociência. Assim, o estudo dos processos mentais que levam as pessoas a cumprirem a lei é mais afeto a esses campos do conhecimento do que ao Direito.
Seguindo esta linha de pensamento, já se percebe que é impossível afirmar que as normas tributárias são normas de rejeição social sem considerar uma sociedade particular e um determinado momento histórico.
Considerando os comentários anteriores, uma obra especialmente interessante é o livro Why people obey the law (“Por que as pessoas obedecem a lei”), do Professor de Psicologia da Universidade de Nova York Tom R. Tyler. Baseado em pesquisas empíricas, o autor tentou mapear as razões que levam as pessoas a cumprir a lei.
Segundo Tom R. Tyler, há vários fatores que podem influenciar o cumprimento da lei pelo cidadão. Em primeiro lugar, há questões relacionadas à legitimidade de quem editou a lei, de modo que o cidadão pode cumprir a lei simplesmente em função da autoridade de quem a editou. Há, ainda questões como dissuasão (probabilidade de ser pego, chances de ser punido, severidade da punição ou alguma combinação desses fatores), a opinião dos pares e a moralidade individual de cada um 12.
O autor aponta que “grande parte da teoria social tradicional está apoiada na premissa de que o comportamento é motivado por recompensas e punições no ambiente externo”. Contudo, como ele aponta, “se recompensas e punições sozinhas produzissem compliance suficiente para a sociedade funcionar de forma eficaz, as autoridades teriam uma tarefa simples e direta. Eles teriam apenas que controlar os recursos coletivos e poderiam focar sua atenção em como aplicá-los. Esta estratégia baseada na dissuasão é bastante atrativa para autoridades políticas e legais. O controle social requer pouco esforço para comunicar com o público ou ser responsivo a ele; tal controle foca nas recompensas e penalidades associadas com obedecer e desobedecer a lei, e permitem às autoridades controlar sua própria agenda. De outro lado, um foco normativo no compliance coloca ênfase nos seus aspectos voluntários, colocando considerável poder sobre a eficácia das autoridades nas mãos daqueles que eles lideram” 13 (destaque nosso).
Baseado em diversos estudos empíricos realizados nas décadas de 60 e 70, Tom R. Tyler afirma que “embora a ideia do exercício da autoridade por meio do controle social seja atrativamente simples, tem sido largamente sugerido que em sociedades democráticas o sistema jurídico não pode funcionar se ele só é capaz de influenciar pessoas manipulando recompensas e custos” 14.
Aqui temos que retornar à afirmação de Ives Gandra no sentido de que as normas tributárias são normas de rejeição social e os efeitos deletérios que tal premissa gerou no desenvolvimento da relação Fisco-contribuintes.
Ora, se o ponto de partida de um sistema tributário é a premissa de que o compliance voluntário não é possível 15, de que as regras somente são cumpridas mediante a previsão e aplicação de pesadas sanções, naturalmente o perfil da autoridade fiscal será cada vez mais orientado pela sanção, pela punição.
Esta tem sido claramente a tendência do Sistema Tributário Nacional. Se tomarmos a atuação da Secretaria da Receita Federal do Brasil como paradigma verificaremos uma autoridade fiscal que busca o cumprimento das obrigações fiscais essencialmente pelo lado do controle, da coerção e da punição.
Peguemos o tema do planejamento tributário como exemplo e veremos claramente esta perspectiva. Ainda hoje não se percebe iniciativas no sentido de conscientizar o contribuinte sobre o conteúdo da sua cidadania fiscal. Do contrário, busca-se o compliance pela via da punição, com a lavratura de autos de infração com a aplicação generalizada da multa de fraude de 150% e a proliferação da representação fiscal para fins penais. O mesmo foi percebido na edição da Medida Provisória n. 685/2015, que pretendeu introduzir uma declaração voluntária de planejamentos tributários no Brasil.
Embora esta abordagem punitiva gere algum nível de compliance, principalmente em razão do grande investimento tecnológico feito pelas autoridades fiscais e as altas penalidades previstas na legislação tributária brasileira, ela jamais gerará um genuíno cumprimento voluntário das normas tributárias e sempre demandará um esforço substancial das autoridades fiscais.
Uma administração tributária baseada em repressão causa uma reação que se materializa na sofisticação dos planejamentos tributários e, muitas vezes, em estruturas baseadas no descumprimento das obrigações fiscais, aliadas à institucionalização dos programas especiais de pagamento de tributos não recolhidos. A generalização dos “Refis” acaba por anular o instrumento principal de gestão tributária: a aplicação de sanções. Afinal, como salientou Luís Eduardo Schoueri, “desde 2000, têm sido frequentes os programas de parcelamento (ou pagamento integral) oferecidos no âmbito federal, sempre acompanhados de reduções substantivas de penalidades e de encargos financeiros. Posto que se possam encontrar méritos ao possibilitarem a regularização da situação tributária de diversos contribuintes, além dos óbvios efeitos arrecadatórios, especialmente relevantes para assegurar superávits diante de gastos crescentes, não é segredo que a sua recorrência é prejudicial, já que acaba por incentivar a inadimplência” 16.
De certa maneira, a proliferação dos “Refis” é uma reação de forças de mercado contra o modelo punitivo de gestão fiscal, anulando-se as sanções que são o ponto de apoio principal da abordagem repressiva das autoridades fiscais.
São as normas tributárias “normas de rejeição social”? Esta pergunta não tem uma resposta no plano teórico, somente a pesquisa empírica, considerando determinada sociedade em certo momento histórico, permitirá identificar quais são as razões que levam o contribuinte a pagar, ou deixar de pagar, os seus tributos.
Se pensarmos a sociedade brasileira de hoje, em 2018, mesmo sem uma pesquisa empírica para lastrear nossas considerações parece-nos intuitivo que as normas tributárias efetivamente se transformaram em normas de rejeição social. Assim, nos dias atuais pode-se assumir que os contribuintes não se sentem “psicologicamente motivados” ao cumprimento de suas obrigações tributárias, de modo que é possível defender, como salienta Heleno Tôrres, que, em termos sociológicos “a primeira e mais instintiva reação do contribuinte perante exigências tributárias é teoreticamente aquela de abster-se ao seu cumprimento” 17.
A ineficiência gerencial do Estado brasileiro bem como a corrupção que se faz presente dos mais baixos aos mais altos escalões dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário impõe aos contribuintes um sentimento generalizado de que suas contribuições aos cofres públicos não são destinadas à coisa alguma, perdendo-se no seio da burocracia e da corrupção.
Diante dessa massa de contribuintes descrentes no Estado, a autoridade fiscal, considerando o modelo do sistema brasileiro, tende a responder com mais controle e mais repressão. Contudo, é especialmente nas sociedades em que a norma tributária é uma norma “de rejeição” que se deve buscar mecanismos para assegurar o compliance voluntário, cada vez menos dependente da ameaça de sanção. Afinal, como apontam Willem Lemmens e Jo Badisco, “uma política que foque em punições, fiscalizações e ameaças reduz a vontade de pagar tributos” 18.
Neste momento podemos assentar uma premissa: o Sistema Tributário Nacional foi construído tendo como pilares a ameaça e a punição. Consequentemente, é um sistema litigioso. Nos itens seguintes apontaremos alguns aspectos que exacerbam tais características, notadamente por gerarem desconfiança e impedirem o desenvolvimento de uma verdadeira cidadania fiscal no contribuinte brasileiro 19.
2.3. Gestão tributária de massas: transferência para o contribuinte da atividade de criação das normas tributárias via interpretação
Em estudo publicado no Brasil, José Juan Ferreiro Lapatza fez importantes apontamentos sobre os sistemas de gestão tributária atualmente adotados pelos países europeus, separando o sistema anglo-saxão, baseado na autoliquidação dos deveres fiscais pelos próprios contribuintes, do sistema continental, fundamentado no exercício da liquidação tributária pela Administração Pública 20.
Como menciona o próprio Ferreiro Lapatza, os sistemas continentais têm sido influenciados pelo sistema anglo-saxão, de forma que há uma cada vez maior utilização da delegação ao contribuinte das atividades de liquidação fiscal em países como a França, a Itália e a Espanha 21.
Em Portugal, essa mesma tendência foi apontada por José Luís Saldanha Sanches 22, deixando este autor registrado, logo na introdução de seu estudo sobre a quantificação das obrigações tributárias, “que o modo atual de execução das tarefas financeiras de obtenção de recursos pecuniários para o Estado tem como marca essencial uma redução do papel desempenhado pela Administração e o correspondente aumento da participação dos particulares nos procedimentos de aplicação da lei fiscal” 23.
No Brasil, tal situação já era assinalada por Fábio Fanucchi na década de 70 24, tendo sido objeto de análise por Paulo de Barros Carvalho, para quem:
“Quando se fala em expedição de norma jurídica individual e concreta vem, desde logo, à nossa mente, o desempenho de um órgão da Administração ou Poder Judiciário. E, se passarmos apressadamente, sem refletir, essa ideia equivocada irá provocar um bloqueio, consolidando o preconceito de que o administrado, na esfera de suas múltiplas possibilidades de participação social, reguladas pelo direito, esteja impedido de produzir certas normas individuais e concretas. Mas não é assim no direito brasileiro. Basta soabrirmos os textos do ordenamento positivo, no que concerne aos tributos, para verificarmos esta realidade empírica indiscutível: o subsistema prescritivo das regras tributárias prevê a aplicação por intermédio do Poder Público, em algumas hipóteses, e, em outras, outorga esse exercício ao sujeito passivo, de que se espera, também, o cumprimento da prestação pecuniária.
Diga-se de passagem, aliás, que tem havido um crescimento significativo na participação dos súditos do Estado, instados a praticar uma série de expedientes para a produção de normas individuais e concretas nesse campo. A transferência de atividades relativas à apuração do débito tributário para a esfera dos deveres instrumentais ou formais do sujeito passivo, mediante severo controle da entidade tributante, tornou-se uma viva realidade dos nossos dias. A maior parte dos tributos, hoje, assim no Brasil que em outros países que seguem o modelo continental europeu, estão cometidos ao sujeito passivo da obrigação tributária, cabendo-lhes estabelecer em fatos os eventos tributários, e relatar os dados componentes da relação jurídica.” 25
Assim, tendo em conta a proliferação, no Brasil, dos tributos sujeitos ao chamado “lançamento por homologação”, as atividades de apuração e arrecadação tributária foram significativamente delegadas aos contribuintes, a quem cabe, na realidade, a realização das tarefas previstas no art. 142 do Código Tributário Nacional como caracterizadoras do “lançamento tributário” 26. Esta questão foi examinada por Alberto Xavier, que afirma não ter dúvidas “de que o sistema tributário brasileiro vigente se reveste das características de massificação e automação, raramente surgindo o lançamento como momento necessário na dinâmica da obrigação tributária que, a maior parte das vezes, pode ser espontaneamente cumprida sem a prática prévia do referido ato” 27.
Diante dos comentários acima, é possível firmar como premissa que no estágio atual da tributação cabe aos contribuintes liquidar suas obrigações fiscais e recolher os tributos devidos, de acordo com sua autoliquidação, aos cofres públicos. Cabe-lhes, ainda, arrecadar tributos para o Estado, proliferando-se as hipóteses de retenção na fonte, e fiscalizar o comportamento de outros contribuintes, multiplicando-se os casos de responsabilidade tributária 28.
Ora, se há algo que não se duvida é que a legislação tributária brasileira – assim como a legislação tributária da grande maioria dos países – é altamente complexa 29. Ao adotar um sistema de autoliquidação, sem que haja um mecanismo eficaz de consulta prévia sobre a interpretação da legislação – tendo em vista o tempo de resposta das autoridades fiscais –, e adotando a repressão e a punição como mecanismos de compliance, naturalmente teremos um sistema antagonista e litigioso.
Como salientamos acima, não se pode perder de vista que no Brasil atual os contribuintes não se sentem voluntariamente inclinados a contribuir. Com isso, a aposta das autoridades fiscais tem sido aumentar a repressão. Contudo, a transferência das atividades de liquidação para os contribuintes é uma via de mão dupla. Entrega a função de apuração do “se” e “quanto” pagar para quem, regra geral, entende que não deve pagar. Daí, não há cruzamento, sistema digital, ou autoridade fiscal que tenha capacidade de filtrar todos os comportamentos dos contribuintes tendentes a afastar, reduzir ou postergar o dever de contribuir.
Academicamente se discute muito o papel do valor solidariedade na tributação, a configuração do dever de pagar tributos como um dever fundamental etc. 30 Contudo, por mais belas e inspiradoras que sejam essas passagens, solidariedade social real não pode ser imposta, tem que ser construída. Há um limite para a imposição jurídica de valores. Eles têm que ser desenvolvidos no âmago da sociedade.
A solidariedade tributária tem um conteúdo jurídico mínimo. Contudo, a sua expressão máxima de sentido só pode ser alcançada se ela for abraçada pela sociedade como um valor da própria comunidade. E este é o desafio!! Por isso que uma gestão tributária policialesca não funciona para gerar compliance voluntário!!
2.4. Gestão tributária de massas: transformação dos contribuintes em servidores públicos (sem remuneração)
Um aspecto absolutamente interconectado ao anterior é a nova forma de fiscalização que se tornou comum no Brasil. Neste ano de 2018 completo 20 anos de atuação como consultor tributário. Em 1998 ingressei como advogado já formado na empresa de auditoria Arthur Andersen e lá dei meus primeiros passos na consultoria tributária. De lá para cá, noto uma sensível diferença na forma de fiscalizar das autoridades fiscais. Tempos atrás, os fiscais fiscalizavam. Pediam documentos e informações e investigavam a situação fiscal das empresas. Atualmente não é bem isso que acontece. Por mais que esteja tudo – ou quase tudo – no sistema, que as obrigações acessórias tenham se multiplicado e digitalizado, que os cruzamentos de informações dos diversos contribuintes sejam bastante eficientes, ainda assim, na hora de fiscalizar, a autoridade administrativa transfere para o contribuinte o seu trabalho: “me faça um arquivo em Excel com as características XYZ listando as informações ABC neste formato”.
Ora, o contribuinte não é servidor da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Naturalmente que o contribuinte tem um dever de colaboração. Contudo, este se esgota no cumprimento de suas obrigações acessórias e no dever de prestar informações de forma correta e transparente.
Há décadas que, como vimos, transferiu-se aos contribuintes o dever de interpretar/aplicar a legislação tributária. Agora, transfere-se ao contribuinte a função de produzir, além do que a lei estabelece, os papéis de trabalho da fiscalização. Neste ambiente, falar-se em cidadania fiscal, em solidariedade, é uma quimera. Não só se está transferindo uma função pública para o setor privado, como se está transferindo para o setor privado um custo público. Afinal, o custo não desaparece. Preparar as informações em um determinado formado custa dinheiro 31. Ao se exigir que tais atividades sejam desempenhadas pelo contribuinte transfere-se para este o custo de contratar o pessoal necessário para a sua realização, ignorando o que Leandro Paulsen chamou de princípio da capacidade colaborativa 32.
Parece-nos que a questão foi bem posta por Éderson Garin Porto. É necessário e urgente “humanizar” o Direito Tributário. Pensá-lo a partir do cidadão e não de uma perspectiva exclusivamente arrecadatória. Vejam-se suas palavras:
“Como a pretensão da investigação foi propor um novo modelo de relação para o Direito Tributário, tornou-se imperioso identificar as normas que poderiam orientar este novo perfil de relacionamento.
Percorrendo a trilha para a identificação dos deveres de colaboração, cooperação e proteção, chegou-se ao ponto de examinar uma noção de cidadania fiscal. Esta noção pressupõe a consciência do cidadão do seu dever fundamental de contribuir com o Estado como forma de custear os direitos fundamentais. Por outro lado, é preciso desenvolver uma consciência de elevação do ser humano para o centro do ordenamento jurídico, colocando-o como o fim último da existência do Estado e, sobretudo, como vértice da ordem jurídica.
É preciso mudar o foco do Direito Tributário, retirando o tributo do núcleo de importância e colocando o ser humano nesta posição. Esta posição humanista descoloca o centro da disciplina do tributo para o homem que recolhe o tributo. A proposta ora defendida consiste, portanto, em humanizar a relação tributária, estabelecendo que a arrecadação não é um fim último do Direito Tributário. A finalidade do Direito Tributário é transformar a arrecadação num ato de justiça social, observando-se os limites estabelecidos pela ordem jurídica e, ao mesmo tempo, conscientizando-se o cidadão sobre o dever fundamental que possui.
[…]
Quando se faz referência ao ser humano como centro de preocupação do Direito Tributário, defende-se uma visão antropocêntrica da tributação que começa pela forma de relacionamento entre os sujeitos da obrigação tributária. Ao longo dos anos, a tributação tornou-se tão complexa que o contribuinte não tem mais condições de compreendê-la por seus próprios meios. Viu-se obrigado a contratar contador, advogado, consultor, despachante, dentre outros tantos prestadores de serviços apenas para atender as exigências do Fisco. Este, de seu turno, foi paulatinamente repassando obrigações ao contribuinte sem qualquer contrapartida ou assistência. Ao passo que o Fisco se desonerava de certas incumbências repassando o lançamento do tributo para o contribuinte, mais descompromissado tornou-se em relação ao processamento da obrigação tributária. Pois é chegada a hora de repensar a forma de relacionamento que se construiu ao longo do tempo e cotejá-la com a ordem jurídica vigente. A dignidade da pessoa humana não serve, portanto, apenas para proteger o mínimo vital, como se fosse uma norma de proteção da miséria. Trata-se de um importante princípio estruturante do Estado Constitucional de Direito, relevante demais para ficar confinado a tão mesquinha interpretação.” 33 (Destaques nossos)
A questão mencionada nesta seção nos remete a um dos maiores hiatos da legislação tributária brasileira: a disciplina do procedimento de fiscalização. Tirando alguns dispositivos presentes no Código Tributário Nacional, editados em outro momento histórico e em grande medida obsoletos, a Lei Complementar é silente sobre a matéria. Da mesma maneira, as leis ordinárias, salvo alguns vetustos diplomas referentes a tributos específicos, como o Imposto de Renda, não cuidam da matéria. Portanto, o tema da fiscalização foi deixado para ser regulamentado pelo próprio órgão responsável pela atividade fiscalizatória. Este tema deveria entrar urgentemente na pauta de debates do Congresso Nacional. É de certa forma surpreendente a desproporção entre a preocupação constante com as reformas tributárias materiais e o quase desprezo por reformas procedimentais e processuais que poderiam contribuir significativamente para a melhora do ambiente de negócios 34. Tais debates costumam surgir dentro de outros temas mais complexos e abrangentes, como os tão falados Códigos de Defesa do Contribuinte, que de tão ambiciosos enfrentam sérias dificuldades para deixar o plano das ideias.
2.5. Ausência do juiz em um ambiente litigioso
Em um trabalho publicado em 2017, fiz um diagnóstico da insegurança jurídica na área tributária que chamou atenção para a necessidade de se repensar o modelo de solução de controvérsias fiscais 35. A análise apresentada naquela oportunidade está assentada na percepção de que o Poder Judiciário não possui as qualidades necessárias para solucionar conflitos de interesses no campo fiscal. Falta ao Judiciário o conhecimento técnico e o tempo de resposta. Em virtude das carências do Poder Judiciário os contribuintes depositaram suas expectativas nos órgãos administrativos de julgamento, os quais, por razões distintas, também não são adequados para funcionar como um terceiro imparcial para a solução de lides tributárias. Uma reforma abrangente do processo tributário é imprescindível para que possamos desenvolver um ambiente de segurança e estabilidade tributárias.
Os comentários que apresentamos anteriormente reforçam esta conclusão.
Com efeito, se temos uma lei que muitas vezes é utilizada como instrumento de dominação de um contribuinte psicologicamente inclinado a não contribuir, a quem foram transferidas as atividades de liquidação e pagamento de tributos 36, assim como uma gama de atividade acessórias à fiscalização tributária, a falta de um órgão de aplicação competente certamente amplia o abismo entre o Fisco e os contribuintes.
Temos sustentado que o desenvolvimento de um ambiente de segurança jurídica depende de um órgão de aplicação que seja tecnicamente consistente.
Nos dias 28 de fevereiro e 1º de março deste ano, foi realizado em Brasília o “Seminário e Workshop Preços de transferência: o padrão da OCDE e a abordagem brasileira”, que reuniu representantes da OCDE, da Secretaria da Receita Federal, da academia e do mercado para debater uma aproximação entre as regras de preços de transferência brasileiras e o padrão OCDE.
Em uma de minhas intervenções, registrei opinião no sentido de que a adoção de padrões mais abertos, de fundo econômico, para o controle dos preços de transferência no Brasil, demandaria a criação de um sistema próprio de solução de controvérsias, composto por julgadores que tivessem formação para analisar o componente econômico de uma rede global de valor.
A reconstrução de uma relação de confiança entre Fisco e contribuintes requer um órgão de aplicação estabilizador, capaz de pautar as inevitáveis controvérsias que advirão do processo de interpretação/aplicação da legislação tributária 37. Até mesmo porque as características antes apontadas da administração de um sistema tributário massificado não desaparecerão no futuro próximo.
Nada obstante, não é apenas no controle dos atos concretos de lançamento que recai a ausência do Estado-Juiz. Há uma questão dramática decorrente da (in)competência do Supremo Tribunal Federal em matéria fiscal e a sua verdadeira omissão nos grandes temas.
Sabe-se que uma característica (ou seria um defeito?) do Sistema Tributário Nacional é a sua excessiva constitucionalização, da qual decorre uma competência onipresente do Supremo Tribunal Federal para decidir questões tributárias.
Este fato tem consequências muito danosas na construção do sistema. A uma porque, via de regra, os ministros da Suprema Corte não são versados em matéria tributária, o que fica evidente quando debatem abertamente no plenário temas fiscais. A duas porque a pauta da Corte não dá vazão à enorme quantidade de assuntos tributários que chegam para julgamento. A consequência, não raro, são decisões mal fundamentadas que, quase sempre, demoram demais para serem proferidas.
Tomemos como exemplo o caso do planejamento tributário, certamente um dos temas mais debatidos no Direito Tributário brasileiro nas últimas duas décadas. Logo que foi editada a Lei Complementar n. 104/2001, que incluiu no Código Tributário o parágrafo único do art. 116, foi ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (n. 2.446) contra ela. No dia 18 de abril de 2001, ou seja, há 17 anos, a Confederação Nacional do Comércio provocou o Supremo Tribunal Federal para que se pronunciasse sobre os limites do controle do planejamento tributário no Brasil. Até hoje esta ADI não tem sequer um voto proferido!!!!
Ora, certamente não se espera que o Supremo Tribunal Federal analise um planejamento tributário em um caso real. Porém, há anos se debate a pauta axiológica do planejamento tributário e a aplicação de princípios constitucionais como a legalidade e a capacidade contributiva. Tivesse a Suprema Corte pautado este debate, hoje, em 2018, esta controvérsia teria avançado. Mas não, diante da omissão decisória do Poder Judiciário a questão foi deixada para ser desenvolvida no âmbito do CARF e todos sabemos onde chegamos 38.
A falta de um órgão de aplicação do direito eficiente no campo fiscal exacerba as controvérsias entre Fisco e contribuintes e torna mais difícil a construção de um ambiente de segurança. A reforma institucional do processo tributário, a meu ver, é uma das mais necessárias para a criação de um ambiente de segurança tributária no Brasil e, paradoxalmente, uma das menos debatidas.
2.6. Um problema circular
O debate posto acima gera uma discussão circular: a postura repressiva e sancionatória adotada pelas autoridades fiscais gera comportamentos de não adimplência pelos contribuintes, ou os comportamentos de não adimplência dos contribuintes geram uma postura repressiva e sancionatória pelas autoridades fiscais?
Parece-nos que este tipo de questionamento circular ao estilo “ovo ou a galinha” é um dos grandes bloqueadores de qualquer avanço significativo no campo da construção da confiança entre o Fisco e os contribuintes.
Com efeito, se há uma coisa certa é de que neste processo alguém vai ter que dar um primeiro passo e, goste-se ou não, este primeiro passo deve ser dado pelo Estado. Ou seja, vai ser o Fisco que vai ter que, em primeiro lugar, mudar sua maneira de agir em relação ao contribuinte, deixando de lado sua percepção de que ele tende a não adimplir seus deveres fiscais. Ou seja, em primeiro lugar vem a humanização do contribuinte e a transparência do Estado em relação à sua atividade financeira, depois virá a mudança da percepção dos contribuintes em relação ao Fisco.
Este parece ser um dos grandes erros do debate ético tributário atual. Se desenvolveu uma perspectiva de uma “ética fiscal coagida” dos contribuintes. Ora, dever que se cumpre por ameaça de coação não é dever exclusivamente moral. É dever jurídico. É o mesmo que se passa com a solidariedade. Solidariedade coagida não é solidariedade 39.
Parece haver uma percepção de que “se a Constituição determina que você seja solidário, automaticamente você tem que me pagar tributo, sem qualquer questionamento sobre o que eu vou fazer com ele”. Não dá para saber ao certo se esta premissa é ingênua ou simplesmente falaciosa. Solidariedade social não é algo que se possa criar por meio de um texto normativo. É uma questão cultural.
A experiência da Suécia
Normalmente os povos escandinavos são vistos como modelos de cidadania e civilidade. Contudo, o exemplo da Suécia nos mostra que nem sempre foi assim, pelo menos neste caso. Em 2017 foi lançado o interessante livro Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency, escrito pela antropóloga Lotta Björklund Larsen 40.
De acordo com a análise feita por Lotta Björklund, na década de 70 a atuação do órgão arrecadador sueco era similar ao modelo que apresentamos do Brasil, baseado na intimidação e na repressão.
O caso mais emblemático desta era envolveu o famoso diretor de cinema sueco Ingmar Bergman e foi narrado por ela:
“Em uma sexta-feira sombria no dia 30 de janeiro de 1976, dois inspetores fiscais acompanhados por policiais passam pela entrada do teatro nacional sueco ‘Dramaten’. Eles estão procurando pelo diretor, o mundialmente famoso Ingmar Bergman, que havia iniciado o ensaio para a peça de August Strindberg The Dance of Death. Um incrédulo e horrorizado Bergman é levado e acusado de negligência fiscal. É para valer: quando eles saíram do prédio, um terceiro policial, que havia se posicionado na esquina para assegurar que Bergman não escaparia por uma porta dos fundos, se aproxima e cumprimenta o grupo. Enquanto Bergman está sendo levado para uma imediata ‘conversa’, sua casa é vasculhada e um número de pastas é levado. Ele está perplexo, com medo, irritado. Este evento o joga em um estado de depressão e ele é hospitalizado em uma clínica psiquiátrica.
Dois meses depois, sua depressão se transforma em pura raiva quando as acusações são arquivadas. Ele é inocente, mas se torna impossível trabalhar e pensar na Suécia, ele deixa o país no dia 22 de abril para a Alemanha, prometendo nunca mais voltar. A publicidade negativa global que se seguiu foi dirigida apenas à burocracia sueca, uma vez que Bergman disse que a RSV (autoridade fiscal da época) poderia fazer o que quisesse com seu patrimônio. O ponto para ele não eram os impostos que ele foi acusado de não ter pago, mas sim o tratamento a que ele havia sido submetido: um show burocrático de força, acompanhado por ameaças e chantagens. Não ajudou que os dois inspetores fiscais usavam casacos pretos similares, aparentemente em moda naquela época.
A emigração de Bergman e todo o burburinho que ela criou foi um evento que fez com que aqueles com poder de decisão na autoridade fiscal repensassem suas estratégias sobre como tratar contribuintes e como a relação com eles deveria ser. A visão prevalecente sobre os contribuintes entre os servidores da RSV parecia ser a de que eram trapaceiros: se um contribuinte ainda não tinha sido pego evitando o pagamento de tributos, era uma questão de tempo. Compliance significava coação. É difícil responder àquela pergunta sobre a galinha e os ovos em relações como a existente entre agentes fiscais e contribuintes – o agente fiscal considera o contribuinte um trapaceiro desde o início, ou são os erros dos contribuintes, intencionais ou não, que fazem com que sejam considerados trapaceiros? Se a visão é que controlar e auditar contribuintes é a única maneira do se relacionar com os contribuintes, estes serão sempre vistos como tendentes a evadir tributos o máximo quanto possível. De acordo com esta visão sobre os contribuintes, ninguém voluntariamente entregaria seu ‘suado’ dinheiro a não ser que houvesse sanções. Começando com o caso Bergman, uma longa trajetória se iniciou em direção a fazer a autoridade fiscal sueca e seus servidores desenvolverem e aplicarem uma abordagem distinta em relação aos contribuintes.” 41 (Destaques nossos)
O projeto foi tão bem-sucedido que, como já mencionamos, o órgão coletor sueco se tornou a instituição governamental em relação à qual os cidadãos demonstram maior grau de confiança 42.
É interessante observar que, como aponta a autora, “há muitos outros temas além de um agente fiscal querido que impactam o consentimento dos cidadãos em relação ao pagamento de tributos. Um primeiro exemplo, receber valor pelo dinheiro pago” 43. Mais adiante ela segue este raciocínio ao afirmar que “a tributação é recíproca e o ato de coletar tributos é muito conectado, se não exclusivamente, com a sua redistribuição” 44.
Percebe-se, portanto, que há um aspecto da tributação que não pode ser esquecido: a percepção sinalagmática do contribuinte. Este percebe a justiça ou a injustiça da tributação diante do retorno que recebe do Estado em serviços. Dessa forma, um Estado que forneça serviços públicos precários certamente enfrentará dificuldades em criar uma consciência de compliance fiscal voluntário.
Na sua mutação da década de 70 para os dias atuais o aspecto que mais nos chamou a atenção foi a mudança ocorrida dentro da agência fiscal sueca, que passou a ver a si própria e a ser vista não mais como um ente policialesco, mas como um prestador de serviços para o cidadão, a ponto de, a partir dos anos 2000, passar a se referir ao contribuinte como consumidor dos seus serviços 45.
Esta mudança é fundamental. Uma autoridade fiscal que se coloca a serviço do contribuinte, buscando educá-lo e informá-lo sobre como melhor cumprir suas obrigações fiscais, é uma autoridade geradora de confiança.
Percebe-se que a revolução ocorrida no órgão fiscal sueco foi, principalmente, uma mudança de percepção do contribuinte, que passou de objeto de fiscalização e repressão para consumidor do serviço de orientação, apoio e educação fiscal. Como apontamos acima, esta revolução tem que partir do Estado, e não do cidadão. Mesmo havendo diferenças culturais, sociais e econômicas marcantes entre Brasil e Suécia, cremos que a experiência do país escandinavo pode ensinar muito às autoridades fiscais brasileiras.
O debate internacional no contexto da OCDE
Naturalmente, o tema que estamos tangenciando neste texto é muito maior e multifacetado do que a análise aqui apresentada, sendo permeado pela complexidade 46. Cortes foram feitos, considerando o enfoque essencialmente doméstico (e particularmente brasileiro) que vimos trazendo.
Dessa forma, deixamos de lado, por exemplo, o trabalho que vem sendo desenvolvido pela OCDE no campo do compliance cooperativo, o qual foi objeto de um recente artigo, publicado na Revista Direito Tributário Internacional Atual do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, de autoria de Carlos Otávio Ferreira de Almeida 47.
Há várias áreas de interseção entre as considerações que foram apresentadas no artigo de Carlos Otávio e as presentes, mesmo tendo sido o seu artigo escrito a partir de um outro referencial. De toda forma, me privarei de repetir aqui as ponderações trazidas pelo autor, indicando a leitura do seu texto por aqueles que chegaram até aqui lendo este artigo.
Conclusão
Naturalmente, este não é um estudo acabado sobre as relações entre o Fisco e os contribuintes no Brasil e os caminhos para a sua melhoria 48. Em primeiro lugar, faltam no Brasil pesquisas empíricas que reflitam como o contribuinte brasileiro vê a tributação. Na ausência de pesquisas sobre o tema, sobram opiniões pessoais apresentadas como verdades científicas – categoria em que pode ser incluído este artigo. Esse mapeamento seria um primeiro – e importantíssimo – passo para que se conhecesse o contribuinte (pessoa física e jurídica) brasileiro.
Independentemente da falta desse tipo de dado, como pontuamos, há no Brasil uma visão de “contribuinte-súdito” que é certamente um agente bloqueador do desenvolvimento de um ambiente de compliance voluntário ou colaborativo. O que propomos neste texto é que se passe dessa visão do contribuinte como objeto de uma investigação para outra do “contribuinte-consumidor”, onde a autoridade fiscal é vista menos como agente repressor, mas como instrumento de auxílio ao contribuinte, um verdadeiro prestador de serviços.
Ao longo dos últimos anos se desenvolveu uma linha teórica no Brasil que reconhece a função essencial do tributo em um Estado Fiscal, ainda mais em um Estado Fiscal provedor, como é o Estado Brasileiro. Busca-se, inclusive, justificar o dever fiscal em valores éticos, como a solidariedade social. Entretanto, usa-se este discurso para legitimar a tributação em si, esquecendo-se que ela será sempre instrumento, nunca fim em si mesmo.
Somos defensores da tributação como instrumento de realização da justiça e da superação de desigualdades. É através da arrecadação tributária que o Estado consegue realizar suas funções. Contudo, a relevância da arrecadação não é, em si mesma, fator de legitimação aos olhos do contribuinte. A inclinação do contribuinte depende da criação de uma cultura de cidadania fiscal que não pode ser gerada pela intervenção sancionatória do legislador. Como apontam Charles Delmotte e Jan Verplaetse, “se as autoridades públicas querem restaurar a sua desgastada relação com seus cidadãos, as regras que regem a tributação devem ser justificadas dentro de uma balanceada teoria que considere os contribuintes como portadores ativos de direitos, e não como meros contribuidores de riqueza” 49.
Os desafios tributários que nos serão impostos neste século XXI serão tremendos. O Fisco brasileiro teria muito a ganhar em ter o contribuinte como aliado, ao invés de adversário. Como defendemos acima, cabe ao Estado dar o primeiro passo.
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Notes:
- ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 73-76. ↩
- Ver: ROCHA, Sergio André. A tributação na sociedade de risco. In: ROCHA, Sergio André. Tributação internacional. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 17-18. ↩
- Cf. LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017, p. 3. ↩
- GRECO, Marco Aurélio. Três papéis da legalidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; e ROCHA, Sergio André (coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 102-103. ↩
- GRECO, Marco Aurélio. Três papéis da legalidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; e ROCHA, Sergio André (coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 104-105. ↩
- GRECO, Marco Aurélio. Três papéis da legalidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; e ROCHA, Sergio André (coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 108. ↩
- GRECO, Marco Aurélio. Três papéis da legalidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; e ROCHA, Sergio André (coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 109. ↩
- GRECO, Marco Aurélio. Três papéis da legalidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; e ROCHA, Sergio André (coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 110. ↩
- Ver: ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário abusivo estatal: o caso do Brasil. In: SCHOUERI, Luís Eduardo et. at. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 473-488. ↩
- MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da imposição tributária. 2. ed. São Paulo: LTR, 1998, p. 128-129. Para um estudo mais recente do autor, ver: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria do tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 288-289. ↩
- Ver: SCHAUER, Frederick. The force of law. Cambridge: Harvard University Press, 2015, p. 65. ↩
- TYLER, Tom R. Why people obey the law. New Jersey: Princeton University Press, 2006, p. 42-45. ↩
- TYLER, Tom R. Why people obey the law. New Jersey: Princeton University Press, 2006, p. 20-21. ↩
- TYLER, Tom R. Why people obey the law. New Jersey: Princeton University Press, 2006, p. 22. ↩
- Como aponta Hans Gribnau, “a ideia de pagamento voluntário de tributos implica uma dupla mudança de perspectiva: de um lado da coação para o voluntarismo e de outro do pagamento para o Estado, para o pagamento para a sociedade” (GRIBNAU, Hans. Voluntary compliance beyond the letter of the law. In: PEETERS, Bruno et. al. (coord.). Building trust in taxation. Cambridge: Intersentia, 2017, p. 35). ↩
- SCHOUERI, Luís Eduardo. O Refis e a desjudicialização do planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 232. São Paulo: Dialética, janeiro de 2015, p. 103. ↩
- TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado. São Paulo: RT, 2003, p. 173. Sobre o tema, ver: SCHMÖLDERS, Günter. The psychology of money and public finance. Tradução de Iain Grant e Karen Green. New York: Palgrave Macmillan, 2006, p. 157-210. ↩
- LEMMENS, Willem; e BADISCO, Jo. Taxation and ethics: an impossible marriage? In: PEETERS, Bruno et. al. (coord.). Building trust in taxation. Cambridge: Intersentia, 2017, p. 125. ↩
- Sobre o tema da cidadania fiscal, ver: NABAIS, José Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 189-196. ↩
- LAPATZA, José Juan Ferreiro. Solución convencional de conflictos en el âmbito tributário: una propuesta concreta. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2004. v. II, p. 294. ↩
- LAPATZA, José Juan Ferreiro. Solución convencional de conflictos en el âmbito tributário: una propuesta concreta. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2004. v. II, p. 295-296. ↩
- SANCHES, José Luís Saldanha. A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. Lisboa: Lex, 2000, p. 75-76. ↩
- SANCHES, José Luís Saldanha. A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. Lisboa: Lex, 2000, p. 17. ↩
- FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1971. v. I, p. 149. ↩
- CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 213. Para uma longa revisão bibliográfica sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Processo administrativo fiscal: controle administrativo do lançamento tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 302. ↩
- Ver: ROCHA, Sergio André. Processo administrativo fiscal: controle administrativo do lançamento tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 295-314. ↩
- XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 13. ↩
- Este contexto foi bem observado por Denise Lucena Cavalcanti, que destaca que “não se pode desconsiderar o grande aumento da responsabilidade do cidadão-contribuinte em apurar e arrecadar, por sua conta própria, seus tributos, exercendo ato que, de origem, caberia ao fisco, e que agora é de sua responsabilidade, inclusive passível de penalidades” (CAVALCANTI, Denise Lucena. Crédito tributário: a função do cidadão-contribuinte na relação tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 29). ↩
- ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 77-78. ↩
- Ver os estudos publicados em GODOI, Marciano Seabra de; e ROCHA, Sergio André (org.). O dever fundamental de pagar impostos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017. ↩
- Não só o custo não desaparece, ele é dividido de forma regressiva entre os contribuintes, como apontado por Caio Takano (TAKANO, Caio Augusto. Deveres instrumentais dos contribuintes. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 256-261). ↩
- Nas palavras de Paulsen, “extrapolam a capacidade de colaboração dos contribuintes obrigações de difícil ou demasiadamente oneroso cumprimento, como a imposta a grandes empresas de colocarem à disposição da fiscalização uma enorme plêiade de documentos em cinco dias ou a de, na renovação anual de alvarás para a utilização de equipamentos para transações com cartões de crédito ou débito, apresentarem cópias de todos os contratos firmados com as administradoras e das informações sobre as operações realizadas atinentes aos últimos cinco exercícios fiscais. Também não se justificava, por violadora da capacidade de colaboração dos contribuintes do imposto sobre a circulação de mercadorias, a obrigação de que fizessem constar, das notas fiscais relativas a operações interestaduais com produtos importados, o conteúdo da importação expresso percentualmente ou o valor da importação, porquanto já prestada a informação através da ficha de conteúdo de importação, configurando sobreposição desnecessária e que expunha o contribuinte perante seus clientes e concorrentes” (PAULSEN, Leandro. Capacidade colaborativa: princípio de direito tributário para obrigações acessórias e de terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 96). Sobre o tema, ver: TAKANO, Caio Augusto. Deveres instrumentais dos contribuintes. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 139-142. ↩
- PORTO, Éderson Garin. A colaboração no direito tributário: por um novo perfil de relação obrigacional tributária. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 245-246. ↩
- ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 50-51. ↩
- ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. ↩
- Ver: ROCHA, Sergio André. Processo fiscal e justiça tributária. In: FERREIRA, Eduardo Paz; TÔRRES, Heleno Taveira; e PALMA, Clotilde Celorico (org.). Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier. Coimbra: Almedina, 2013, p. 829-838. ↩
- ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 77-80. ↩
- Já nos pronunciamos a respeito do efeito gerador de insegurança do tempo que o Supremo Tribunal Federal leva para decidir em matéria tributária em outro estudo. Ver: ROCHA, Sergio André. O protagonismo do STF na interpretação da Constituição pode afetar a segurança jurídica em matéria tributária? In: ROCHA, Sergio André. Estudos de direito tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 257-270. ↩
- Defendi essas posições em um artigo que hoje parece ter sido escrito em outra vida (e por outra pessoa). Nem tudo do que está lá, em um texto que escrevi aos 24 anos de idade, reflete o que penso hoje (ainda bem), mas, ainda assim, há passagens que se mostram atuais, como a impossibilidade de uma solidariedade coagida. Ver: ROCHA, Sergio André. Ética, moral e justiça tributária. Revista Tributária e de Finanças Públicas n. 51. São Paulo, julho/agosto de 2003, p. 124-125. ↩
- LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017. ↩
- LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017, p. 1-2. ↩
- LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017, p. 3. ↩
- LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017, p. 3. ↩
- LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017, p. 15. ↩
- LARSEN, Lotta Björklund. Shaping taxpayers: values in action at the Swedish Tax Agency. New York: Berghahn, 2017, p. 71-72. ↩
- Como destaca André Folloni, em um livro bastante interessante sobre complexidade, “organizações, sociedades, economias, são todos formados por interações de partes heterogêneas e que não têm conhecimento desse todo. Espontaneamente, surge alguma ordem, alguma organização. Essa ordem social pode ser bastante razoável, mas também pode ser profundamente injusta. Quando queremos ordená-la no sentido de determinados valores, o máximo que podemos fazer é colocar mais um elemento, mais ou menos forte, em interação. O que surgirá dessas interações, contudo, não é controlável, nem previsível. Isso é complexidade” (FOLLONI, André. Introdução à teoria da complexidade. Curitiba: Juruá, 2016, p. 21-22). ↩
- ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de. Compliance cooperativo: uma nova realidade entre Administração Tributária e contribuintes. Revista Direito Tributário Internacional Atual n. 2. São Paulo: IBDT, 2017, p. 58-82. ↩
- Vale observar que, após a entrega deste artigo para publicação, foi publicada a Lei Complementar do Estado de São Paulo n. 1.320/2018, a qual “Institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – ‘Nos Conformes’, define princípios para o relacionamento entre os contribuintes e o Estado de São Paulo e estabelece regras de conformidade tributária”. Esta Lei Complementar parece um passo adiante do ambiente defendido neste texto. Contudo, considerando o prazo para a publicação deste artigo, a mesma não foi objeto de exame. ↩
- DELMOTTE, Charles; e VERPLAETSE, Jan. What is wrong with endowment taxation. In: PEETERS, Bruno et. al. (coord.). Building trust in taxation. Cambridge: Intersentia, 2017, p. 53. ↩